Vamos continuar nossa conversa sobre Psicofísica?
Esta disciplina investiga a relação entre o contínuo físico e o contínuo psicológico. Alterações em um contínuo não são direta e simplesmente acompanhadas de modificações no outro. Um exemplo para ajudar a entender isso. Você tem dois amigos e você os julga como se tivessem a mesma altura. Ao verificar a altura de ambos, descobre-se que um tem 1,71 cm e outro 1,74 cm. Você percebeu-os (contínuo psicológico) da mesma altura, apesar de um deles ser 3 cm (contínuo físico) mais alto que o outro. Ou seja, a despeito de o contínuo físico mudar, o contínuo psicológico não sofreu alterações. O contrário também é verdadeiro, você pode perceber uma diferença (psicológica) entre estímulos sem alterar o contínuo físico. Por exemplo, todos os dias o seu vizinho escuta aquela música chata sempre no mesmo volume, porém hoje você está doente ou precisando dormir porque tem uma prova amanhã e percebe a música como mais alta do que o normal. O volume é o mesmo, mas você o percebe diferente.
Há alguma regra geral que explica essa relação entre os estímulos físicos e como o percebemos? Caso exista essa regra, ela é a mesma para todos os sentidos e suas modalidades sensoriais? E assim chegamos aos problemas aos quais a Psicofísica tenta responder.
Como foi descrito no texto O que é Psicofísica?, os primeiros experimentos considerados psicofísicos, apesar desse nome ainda não existir, foram realizados por Ernst Heinrich Weber (1795-1878). Em uma série de experimentos sobre percepção tátil entre os anos de 1829 e 1834, ele observou que percebemos mudanças relativas e não absolutas na estimulação física.
Para tornar este ponto mais claro. Se durante a noite o pé de sua (seu) namorada(o) aumentasse 2 centímetros, provavelmente você não notaria. Mas e se o nariz dela(e) aumentasse 2 cm? Tenho certeza que você perceberia a diferença. Nos dois casos o aumento absoluto foi o mesmo (2 cm), porém em uma situação você percebe uma modificação e em outra não.
A partir dos resultados dos experimentos de Weber, desenvolveu-se o importante conceito de diferença apenas perceptível (d.a.p.) ou Limiar Diferencial, que é o aumento necessário na estimulação física para que uma pessoa perceba este aumento. Curiosamente, não foi a próprio Weber que expressou matematicamente a lei que conhecemos como Lei de Weber1, tal como a conhecemos hoje. O responsável por isso foi Gustav Theodor Fechner, considerado o pai da Psicofísica como vimos no texto anterior. Mas o que diz esta Lei?
De modo bem simples, a Lei de Weber postula que a diferença apenas perceptível (d.a.p.) é sempre uma fração constante da intensidade inicial do estímulo. Em fórmula, poderíamos escrever assim
∆E = C.E
onde ∆E é a diferença apenas perceptível (d.a.p.), E é o estímulo inicial e C é uma constante de proporcionalidade, que ficou conhecida como constante de Weber.
Pode-se ainda escrever
C = ∆E/E
Em seus estudos, Weber encontrou que essa constante para pesos era de 0,025. Isso quer dizer que é a mínima diferença que pode ser percebida entre quaisquer dois pesos sempre segue esta constante e depende do valor inicial dos pesos.
Acho que com números será mais fácil ainda de entender.
Vamos supor que eu tenho uma mala de 40 kg. Qual seria o menor aumento de peso nesta mala que seríamos capazes de perceber? Por exemplo, se coloco 500 g a mais nesta mala, perceberíamos esta diferença? Em outras palavras, temos sensibilidade suficiente para perceber um aumento de 500 g em uma mala de 40 kg? Vamos verificar:
0,025(C) = ∆E /40
∆E = 0,025 x 40 = 1 kg
A resposta é não, este aumento de 500 g não é perceptível em uma mala de 40 kg. Neste caso a diferença apenas perceptível (d.a.p.) é de 1 kg, isto é, o menor valor que podemos acrescentar no valor inicial (40 kg) que será por nós percebido é 1 kg .
Por outro lado, perceberíamos este incremento de 500 g em uma mala de 15 kg? Vamos aplicar a Lei de Weber mais uma vez:
0,025(C) = ∆E /15
∆E = 0,025 x 15 = 0,375 kg.
Neste caso a resposta é afirmativa, porque a d.a.p. é 375 g, ou seja, é perceptível a diferença entre uma mala de 15 kg e outra de 15,375 kg e é óbvio que isto é verdadeiro também para uma mala de 15 kg e outra de 15,5 kg. É importante assinalar mais uma vez, que percebemos mudanças relativas e não absolutas, uma diferença de 500 g é perceptível em alguns casos e em outros não. Ao aplicar a Lei de Weber, portanto, podemos predizer quando um aumento ou uma diminuição no estímulo será percebido.
Além disso, esta constante é importante porque funciona como um valor aproximado da capacidade discriminativa ou sensibilidade, sendo diferente para os diversos órgãos de sentido e constante para uma mesma modalidade sensorial. Quanto menor a constante de Weber, maior será a sensibilidade para determinado tipo de estímulo.
Ao longo do tempo, percebeu-se que essa constante não era assim tão constante, ou seja, não se pode afirmar que exista apenas uma constante para cada modalidade sensorial. Ela sofre importantes variações com valores de estimulação muito grandes ou muito pequenos, o que nos leva a concluir que a Lei de Weber é válida apenas para valores médios.
Apesar destas críticas, a Lei de Weber foi fundamental e o passo inicial dentro do pensamento de Fechner para o desenvolvimento da Lei que leva seu nome.
E a Lei de Fechner? Finalmente encontrou-se uma expressão matemática que explica a relação entre o contínuo físico e o contínuo psicológico? A resposta estará no próximo texto.
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1 – Alguns autores chamam a Lei de Weber de Lei de Weber-Fechner, por ter sido Fechner que a expressou matematicamente. Outros ainda a nomeiam Lei de Bouguer-Weber. Pierre Bouguer (1698-1758) foi um matemático francês que constatou o fenômeno da diferença apenas perceptível (d.a.p.) para luminância cerca de um século antes de Weber. Em inúmeras fontes pesquisadas, a data desta descoberta é 1760, entretanto o ano da morte de Bouguer é 1758. Fiquei sem entender, mas de qualquer maneira seus achados antecipam os de Weber por muitos anos. Como curiosidade, Bouguer é o responsável por introduzir na matemática os símbolos ≥ para maior ou igual e ≤ para inferior ou igual.
Leonardo Gomes Bernardino
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Gostou? Quer ler mais?
- Gescheider, G. (1997). Psychophysics: the fundamentals (3rd ed.). Lawrence Erlbaum Associates.
- Schiffman, H. R. (2005) Psicofísica. In: H. R. Schiffman, Sensação e Percepção (pp. 17-33). Rio de Janeiro: LTC.