domingo, 5 de fevereiro de 2017

Mito 1: nós usamos apenas 10% do nosso cérebro

Bruno Marinho de Sousa
  • Por que eu não consigo aprender mais e melhor?
  • Como faço para desenvolver os outros 90% do meu cérebro?
Não seria ótimo se tivéssemos um potencial guardado para aprendermos o que quisermos: um idioma em questão de dias, a tocar um instrumento musical em uma semana, a ler e entender um livro de mil páginas em duas horas.
Bem, você provavelmente já deve ter ouvido falar que não usamos todo o nosso cérebro. Pode até ter ouvido a frase título do texto, que “usamos apenas 10% do nosso cérebro”. Infelizmente tenho uma má notícia para você:

Nós usamos tudo que nosso cérebro pode oferecer!

Sim, tudo. E já vou fazer uma previsão, se você acredita há muito tempo que usamos apenas 10% do cérebro, dificilmente irá acreditar no que vou apresentar aqui como evidência contrária. Por que não vai acreditar? Vou te explicar um dos motivos de maneira bem sucinta.

No texto Aprendizagem – Associando Estímulos eu expliquei que podemos associar estímulos neutros a alguns estados emocionais. Então os estímulos neutros passam a ser condicionados (associados com a emoção). E isso também ocorre com o nosso conhecimento de mundo. Se você sempre ouviu que só usamos 10% do cérebro, isso passa a ser verdade para você, dentro de sua visão de mundo. Então quando eu chego e falo que o que você sempre acreditou é uma mentira, isso gera respostas emocionais (condicionamento respondente). E é difícil ir contra as nossas emoções. Então preferirá acreditar no que sempre acreditou, pois é mais cômodo, menos passional. Mas vou te explicar porque você usa muito mais de 10% do seu cérebro.

A primeira coisa que deve ter em mente é que isso é um Mito da Psicologia e das Neurociências. E, se você acredita nisso, não é a única pessoa. Alguns estudos mostram que 1/3 dos estudantes de Psicologia acreditam nisso. No Brasil esse número é maior, a pesquisadora Suzana Herculano-Houzel fez um estudo que constatou que esse número aqui chega a 59% dos graduandos e inclui 6% dos neurocientistas!!!

Por que esse mito é tão forte?
Primeiro pela falta de conhecimento científico. E também porque é tentador achar que temos capacidades “ocultas”, que podem ser utilizadas com treinamento e assim podermos atingir tudo que quisermos. Os filmes de super-heróis não fazem sucesso à toa… Mas sinto muito, as pesquisas indicam que não é assim. Se quer aprender algo, exigirá esforço, quanto mais difícil, mais esforço. Seu cérebro precisará formar novas conexões entre os neurônios e formar novas redes neurais, o que demandará motivação, atenção, concentração e dormir bem (sim, o sono é extremamente importante para o aprendizado).

demolidor

Outro ponto importante é que não faz sentido usar apenas 10% de um órgão que pesa em média 1,3kg e gasta 20% do oxigênio que você respira e muita energia apenas para funcionar em nível mínimo de atividade. Se a afirmação fosse verdade, seria muito inútil manter um órgão desses. Não faz sentido em qualquer explicação sobre a origem do ser humano, tanto pelo lado evolutivo quanto pelo lado divino.

Cérebros

Claro que você ainda não se convenceu. Vamos a mais um ponto. Você conhece alguém que teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC)? Geralmente as pessoas podem ter algum tipo de sequela comportamental, como não conseguir falar do jeito que falava antes, paralisar ou ter dificuldades para caminhar, perder memórias e etc. Bem, se temos 90% (NOVENTA) do cérebro ali guardado, só esperando para ser usado, por que então as pessoas tem essas sequelas? Por um motivo bem simples: porque usamos tudo que nosso cérebro tem a oferecer. Isso é tão sério que pessoas que entram em coma podem ter sequelas por “atrofia” cerebral(degeneração). Numa analogia ruim, é como se o cérebro fosse um músculo não utilizado.

Mais um ponto, já ouviu falar de Phineas Gage? É um caso muito famoso dentro da Neuropsicologia e Neurociências. Resumidamente, ele foi um operário que perdeu parte do córtex pré-frontal (essa região do cérebro que fica na sua testa), responsável dentre várias coisas pelo nosso “freio” (inibição) comportamental. Bem, será que Phineas Gage só usava 10% do cérebro? Se sim, quando ele perdeu algumas gramas do seu cérebro ficou tudo bem, certo? Claro que não. Ele teve graves sequelas comportamentais, como passar de um cidadão pacato e responsável a um cidadão impulsivo, descontrolado e irresponsável, simplesmente por perder algumas gramas dos seus cerca de 1,3kg de cérebro. O que será que os outros 90% ficaram fazendo…

Phineas Gage

Acreditar que “usamos apenas 10% do nosso cérebro” parece algo inocente, que não faz mal, mas faz sim. Há uma vasta gama de pessoas que espalham esse mito somente para vender cursos, “justificar” o que tem a ensinar. Eu mesmo já ouvi esse absurdo fazendo uns cursos online. A pessoa afirmava que temos capacidade para fazer tudo que quisermos porque usamos somente 10% do nosso cérebro. Claro que a pessoa, por exemplo, não aprendeu mandarim em uma semana para provar seu ponto

Mas o problema é que esses mitos são espalhados por pessoas sem senso crítico e noção sobre o funcionamento cerebral, usam esse mito como argumento para o que vendem e para o público leigo.
Bem, mas então por que algumas pessoas conseguem aprender mais fácil que outras? Aqui entram diversos fatores, como genética (sim, tem gente que terá mais facilidade – mas não é devido aos 90% do cérebro), ambiente favorável para aprendizagem, bons professores, motivação, objetivo claro para o que estuda e etc.

O que você pode fazer para usar o “lado oculto do seu cérebro” é melhorar a sua eficiência para aprender. Para isso existem técnicas mais eficientes de estudo, novas formas de ver o mesmo problema (flexibilidade cognitiva), variar o material que estuda. E o mais importante, aprender a aprender. Você tem um potencial para aprender, mas não devido aos supostos 90% do cérebro sem usar.

Obs.: esse texto foi originalmente publicado no Psicologia Catalão.

Leia mais:

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Luto pelo macaco-robô



Em outro texto do blog discutimos a questão da Ética em Pesquisa. Para se realizar uma pesquisa, tanto com humanos quanto com animais, o projeto tem que ser aprovado por um Comitê de Ética que segue normas nacionais e internacionais. Essas normas servem para garantir, dentre várias coisas, que não seja provocado algum dano e/ou maus tratos aos envolvidos. Também para que a pesquisa busque um benefício presumido. 

Isso é extremamente importante para garantir a vida e a saúde dos participantes do estudo. Num programa realizado pela BBC foi colocado um macaco-robô junto aos outros macacos (figura a seguir). O objetivo era filmar os animais e ver como eles reagiriam a esse "estranho". 

A informação do novo membro do grupo (o estranho) chega até os olhos deles, é transduzida e encaminhada ao cérebro, onde é processada. O cérebro tem que processar, elaborar e organizar essa informação de maneira lógica, dando sentido e coerência ao mundo. Então esse estranho foi percebido pelos macacos como um deles para o mundo ter coerência . Afinal, os macacos não estão acostumados a verem robôs na natureza.
 

Macacos Semnopithecus

Agora, vem a questão ética. Apesar de não ser uma "pesquisa", o vídeo mostra o porquê de se preocupar com os possíveis danos causados. Em determinado momento os macacos interagem com o macaco-robô, ele cai e para de funcionar. Os macacos entendem que ele morreu (lembrem-se, o cérebro tem que dar coerência ao mundo). O que será que acontece? Será que os macacos sofreram, ou algum dano foi causado a eles? Assistam o vídeo para entender melhor:

 

Bruno Marinho de Sousa

Mais informações:
O vídeo foi visto no site: Lolhehehe.
Como a informação sensorial é processada
A luz e o olho
Ilusão de Ponzo

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

NeuroTracker - treinamento cognitivo

Já ouviram falar de treinamento cognitivo?
Este recurso está cada vez mais sendo utilizado no esporte por equipes profissionais e atletas de elite. Hoje o New York Times publicou uma reportagem interessante sobre o NeuroTracker, treino produzido no laboratório de Jocelyn Faubert, que orientou um dos idealizadores do blog durante estágio doutoral no exterior.



Leia mais na reportagem (em inglês):
NeuroTracker