Esse texto irá
tratar de concepções errôneas que as pessoas possuem sobre alguns termos
científicos. É um texto informativo e serve para que vocês tenham noção do
quanto é importante que se tenha em mente as definições corretas deles. Alguns termos foram também abordados num texto da Scientific American.
Figura
1.
Pense duas vezes antes de deslizar nos termos usados de maneira incorreta.
Fonte da imagem: Knowledge
Exchange
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Recentemente alguns equívocos
científicos foram cometidos por um pastor ao dar uma entrevista. Esse pastor se
valeu de sua formação em psicologia para justificar algumas concepções científicas
equivocadas. Veja a entrevista no youtube por aqui.
A idéia do texto
não é desmerecer ou elogiar suas concepções religiosas
(isso ele conhece muito bem). Mas sim, é um texto para elucidar algumas
concepções errôneas sobre ciência que
foram (e ainda são) propagadas. Muitas dessas concepções além de serem
utilizadas de forma incorreta, levam o ouvinte/leitor a interpretar errado
determinado fato. Essas idéias equivocadas obstruem nosso pensamento crítico
sobre o tema abordado.
A primeira
concepção equivocada dele foi utilizar relatos de Sigmund Freud (1856 – 1939) sobre a “cura gay”. Esse relato não se traduz em “cura
científica”. Um dos pontos mais importantes (se não for o mais) da ciência é a replicabilidade de resultados. O que isso
quer dizer para algum tratamento ou qualquer outra descoberta científica?
Simples, se eu faço uma pesquisa aqui na minha cidade para tratar alguma
doença, outra pessoa, em qualquer lugar do mundo, deve ser capaz de seguir meu
procedimento e obter um resultado similar. Assim, por meio de várias pesquisas com
resultados semelhantes, obtidos por um mesmo procedimento, teremos um
tratamento adequado. É por isso que as pesquisas pormenorizam o método
utilizado, descrevendo o grupo de participantes (idade, sexo etc.), os
equipamentos utilizados, como foi feito o experimento (condições e método de
coleta de dados etc.). Essa descrição detalhada garante que outros
pesquisadores repliquem a pesquisa.
Apenas o relato de alguém notório não torna o tratamento eficaz.
Então é muito
prejudicial quando uma autoridade fala de uma área que não domina. Pegando o
exemplo da “cura gay”, isso é prejudicial de duas maneiras: direta (a pessoa
acredita que existe uma cura científica porque a autoridade citou um
pesquisador famoso que falou isso há quase cem anos!) e indireta (a pessoa que
ouviu isso pode tratar mal parentes e/ou amigos por serem gays, já que é “só"
se tratarem para não serem mais assim). Outros pesquisadores que afirmaram
realizar a “cura gay” não mostraram os dados de suas pesquisas (clique aqui para ler) ou então revisaram suas pesquisas e mudaram de opinião (clique nesse link).
Ambos os textos estão em inglês.
Figura
2. William
Masters e Virginia Johnson, dois
estudiosos da sexualidade humana. Eles supostamente curavam homossexuais. Mas
seus dados controversos nunca foram postos à prova pela comunidade científica,
nem provados por eles. Fonte da imagem: Scientific
American
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Recentemente,
mais um exemplo do uso de autoridade num ramo da ciência foi descrito pela
pesquisadora Suzana Herculano-Houzel. Em seu blog, ela comenta sobre o livro
Uma Prova do Céu, do qual ela foi revisora técnica da versão em português (leia
o texto aqui).
Nesse livro, um neurocirurgião relata sua experiência de coma e diz que ela é a
prova de que a consciência existe fora do cérebro. Segundo o autor, seu cérebro
“...simplesmente não estava funcionando” (leia mais nesse link).
Mas ele não realizou nenhum teste neurofisiológico para fazer tal afirmação.
Ele se vale apenas de sua autoridade para justificar seu ponto de vista.
Não existe
problema algum de pessoas com notoriedade científica emitirem suas opiniões
sobre experiências pessoais. Essas opiniões só se tornam problema quando a pessoa
se vale de sua notoriedade para validar algo que não foi testado
cientificamente. O público que não possui formação científica geralmente não
consegue diferenciar evidências científicas da opinião de um cientista.
Agora
aproveitando a reportagem da Scientific American outros pontos muito comuns de equívocos com termos científicos serão
apresentados. Antes, você deve ter em mente que toda pesquisa científica se
pauta em alguma forma de análise de dados. A mais comum delas é a estatística
inferencial. Basicamente, esse tipo de estatística tira conclusões de amostras
(parcela limitada do total de uma população) para inferir algo sobre a população,
valendo-se da estimação e do teste de hipóteses (aprenda mais nesse site).
Figura 3. A estatística deve ser bem utilizada para indicar diferenças entre as condições. As interpretações dos resultados dependem de outras informações. Fonte da imagem: Ereleases |
Hipótese:
em ciência, uma hipótese é uma possível explicação para um fenômeno. Ela é
descrita em forma de previsão. A forma clássica e mais simples de se fazer essa
previsão num estudo (pelo menos a mais comum nos livros didáticos) seria
assumir duas posições diante de um problema ou questão: a) hipótese nula: não
há diferença entre dois grupos (ou condições) e b) hipótese teste
(alternativa): há diferença entre os grupos. A partir dessas pressuposições a
pesquisa segue e então a hipótese nula é ou não rejeitada com base nos
resultados. Essas conclusões são probabilísticas e por isso buscam-se
evidências convergentes com outras pesquisas. Em outras palavras, quanto mais
pesquisas ficam a favor de uma hipótese, mais robusta essa explicação se torna.
Significativo/significante: esse
é um termo muito importante e você o encontrará na sessão “Resultados” de um
artigo científico. Você realiza seu experimento, coleta seus dados e faz suas
análises estatísticas (teste t, análise de variância – ANOVA, qui-quadrado
etc.) e encontra diferenças entre as condições. A análise estatística apenas
indica se a diferença é significante/significativa entre as condições da pesquisa.
A interpretação desses resultados para algo mais amplo será feita com
base numa série de fatores, como o arcabouço teórico que conduziu a pesquisa.
Lembrando que não são todas as áreas da ciência que utilizam estatística
inferencial.
Natureza versus Ambiente
(do inglês, nature versus nurture): esses
termos aparentemente simples geram muita confusão e debate ao tratar do
comportamento do ser humano. O principal problema desses termos não é o
significado, mas a idéia de tudo ou nada que eles podem passar. Se um
comportamento não tem origem genética, logo se entende que ele foi aprendido.
Mas não funciona assim. Os genes nos influenciam, mas também a epigenética
(ambiente modificando a herança celular, leia mais nesse site e aqui).
As
modificações então podem ser de mão dupla e alteram quais genes serão “ligados”
(ativados). Além disso, essa interação é facilmente influenciada pelo ambiente
(alimentação, exposição a produtos tóxicos e etc.). Essa alteração é um
processo complicado e difícil de prever.
Steven Pinker usa uma metáfora geométrica para
explicar a relação natureza e ambiente: dar mais peso para uma das duas opções
(natureza ou ambiente) é igual você alegar que a altura do retângulo é mais
importante que a largura para se calcular a área. Não é possível esse cálculo
sem uma das duas medidas, uma pode ser maior que outra, mas ambas se
influenciam.
Figura
4. Como se calcula a área do retângulo. Agora imagine que a
relação natureza X ambiente seja a área do retângulo. Então cada um dos fatores
contribui com um peso diferente para o valor da área. Fonte da imagem: Mecânica
Resolvida
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Cético/Ceticismo:
todo cientista deve ser cético. Isso faz parte da ciência e é isso que permite
a evolução do pensamento científico. Em geral, ser cético é entendido como não
crer em um ser divino, ou ser ateu. Em ciência, ser cético é duvidar, ter a
mente aberta para uma explicação alternativa. Acima comentamos sobre o livro Uma Prova do Céu. Não se pode aceitar os
argumentos do autor só porque ele é um cientista e uma autoridade em sua área
do saber. Ele não nos forneceu provas (evidências) de que seu cérebro não
estava funcionando. Além disso, há alguma explicação alternativa para os
fenômenos que ele descreveu? Essa é a postura crítica e cética que um cientista
deve ter. E não devemos confundir ceticismo com negação pura e simples. Negar
veementemente que algo não existe, ou que não é possível de ocorrer não é
ceticismo.
Teoria:
Esse termo é a cereja do nosso bolo. Foi o uso desse termo que me incentivou a
escrever o texto. Infelizmente, na entrevista citada o entrevistado (após usar
a “autoridade” da sua formação em psicologia) depreciou a Teoria da Evolução
das Espécies (aqui há um texto introdutório sobre o assunto), dizendo que ela é apenas uma teoria. Para o público
leigo, isso faz parecer que o termo “teoria” se refere apenas a uma idéia, uma
suposição acerca de um fenômeno. Entretanto, em ciência este termo possui um
sentido bem específico.
Uma
teoria é um conjunto de conhecimentos organizados para explicar um fenômeno.
Para isso, uma teoria precisa definir os fatos (conceitos), descrever as
relações entre esses fatos e explicar a ocorrência deles. A partir disso, se a teoria é bem sucedida
ela é capaz de organizar o conjunto de conhecimento em torno de um fenômeno,
sugerir hipóteses e também sobreviver a testes ou pesquisas que tentam
refutá-las. Aqui você encontra uma teoria explicada de forma divertida e em imagens: 9gag.
Em
termos científicos, uma teoria não é fruto da imaginação de alguém, que os
outros cientistas tomam como verdade. Ela é a explicação mais provável para algum evento ou fenômeno que os
cientistas estudam. Ela é fundamentada em
experimentos, testes ou evidências (por exemplo, os fósseis para a Evolução). Assim,
a evolução é uma teoria porque existe uma grande quantidade de evidencias que
dão suporte a ela.
Quer baixar o texto? Clique aqui.
Quer baixar o texto? Clique aqui.
Bruno Marinho de Sousa (esse texto também contou com a contribuição de Leonardo e Rui em pontos chaves).
Aprenda mais aqui:
Texto
da Scientific American sobre alguns dos termos abordados aqui: Just a theory (em inglês).
Texto muito bom do projeto Ockham: Método Científico
Hipóteses, teorias e leis, do Science
Blogs: Hipótese, teorias e leis
Outra
dica: se possível curse uma disciplina de estatística.