sábado, 1 de março de 2014

Psicofísica Moderna III - Escalas Psicofísicas (parte III)



Para finalizar o tópico sobre escalas psicofísicas, resolvi dedicar um texto a um erro muito comum ao se traçar hipóteses quantitativas: tomar medidas ordinais como se fossem intervalares. Em um texto anterior foram definidos os níveis de medidas. De maneira resumida, uma escala ordinal estabelece uma relação de ordem entre os eventos de determinado atributo que se deseja mensurar do mesmo modo que uma escala intervalar; porém, por meio desta última conhecemos a diferença de magnitude entre os eventos, que se mantém constante em toda a escala.     

O que acontece na psicologia é que a natureza de variáveis como inteligência, resiliência, autoconceito e traços de personalidade compõe diversos componentes difíceis de serem observados e avaliados, ainda mais em intervalos de medidas iguais. Este fato levanta uma série de problemas à tentativa de mensurações mais completas acerta de fenômenos comportamentais e cognitivos.

Somado a isto, a riqueza de análise devido a pouca perda de informação e o número de axiomas preservados faz com que muitas escalas ordinais em psicologia sejam tratadas como intervalares. Isto se torna claro ao vermos a quantidade de instrumentos que se utilizam de médias aritméticas ou somatórios de itens ou sub-escalas. Alguns teóricos defendem que ao tomarmos a pontuação total de itens claramente ordinais, estes se aproximam de escalas intervalares. Há aqueles que ainda vão além ao afirmarem que uma escala é apenas uma convenção e é boa na medida em que funciona bem na prática.

Apesar da estatística “ilegal”, Stevens chegou a afirmar que resultados frutuosos corroboraram de maneira pragmática esta prática, mas alertou que é um erro calcular média e desvios padrão de uma escala ordinal, na medida em que os intervalos sucessivos da escala são desiguais. Se tal prática for levada a diante é necessário, pelo menos, que extensa investigação sobre as propriedades de medida dos dados seja realizada, bem como sobre a qualidade da operação experimental que permite a mensuração do atributo em questão. Mesmo assim, críticas conceituais severas vêm sendo aplicadas a esta ampla prática por grandes nomes da Psicologia. Os teóricos mais fundamentalistas afirmam que o tratamento de atributos ordinais como se tivessem estrutura intervalar pode levar a conclusões inválidas.

Por vezes, amparados pela prática, é comum pensarmos que a pontuação de algum construto teórico em alguns testes são medidas intervalares. Mas isto não passa de uma especulação, mesmo que coerente. Como cientistas, não somos livres para reivindicar essa crença como um resultado científico na ausência de provas. No entanto, isto é precisamente o que muitos psicólogos fazem quando eles apresentam seus testes para as comunidades científica e leiga, como instrumentos capazes de medição de escala de intervalo. Esta crítica foi feita por Joel Michell, e para se aprofundar no assunto basta acessar as referências de sua autoria ao final do texto. Deste modo, é melhor adotar uma postura de rigor matemático perante toda medida intervalar no qual não as sabe seu real valor preditivo, frente ao atributo que esta pretende avaliar.

Quer baixar o texto? Clique aqui.


Rui de Moraes Jr.

Para saber mais:
Da Silva, J. A. Ribeiro-Filho, N. P. (2006). Avaliação e mensuração da dor: pesquisa, teoria e prática. Ribeirão Preto: FUNPEC-Editora.

Michell,  J.  (1997).  Quantitative  science  and  the  definition  of  measurement  in psychology.  British  Journal  of  Psychology,  88,  355-  383.

Michell, J. (2002). Steven’s theory of scale of measurement and its place on modern psychology. Australian Journal of Psychology, 54(2), 103.

Nunnally,  J.C.,  &  Bernstein,  I.H.  (1994).  Psychometric  Theory  (3rd  ed.).  New  York, NY: McGraw- Hill Book Company.