domingo, 22 de julho de 2012

Atenção

Preste atenção!!!


Você está andando pela rua tranquilamente sem olhar para alguma loja específica. De repente seu olhar é atraído para uma vitrine. Ou então, você está num bar assistindo a um jogo de futebol e, de repente, seu olhar sai da TV e segue alguém ou algum objeto.

O que atraiu seu olhar para esta vitrine? O que atraiu seu olhar para fora da TV? Por que isso aconteceu? Qual o fenômeno mental que faz com que sejamos atraídos para algumas coisas?

O fenômeno por trás desta seleção da informação ambiental é a atenção. Todo mundo tem noção do que ela é. Mas uma das melhores definições é a do psicólogo William James (1842-1910). Ele diz que a atenção “...implica na retirada de algumas coisas a fim de lidar efetivamente com outras”.

Figura 1. William James. Um dos grandes nomes dentro da psicologia. Fonte: Wikipedia.

Em outras palavras, a atenção direciona nossos recursos sensoriais e cognitivos para processar melhor alguma parte ou objeto do ambiente. Milhões de cones e bastonetes são estimulados quando olhamos para uma paisagem. Engenhosamente o sistema visual não irá processar toda a informação que chega. Ele já começa a “filtrar” ou selecionar a informação a partir da retina. Fazemos isto colocando o objeto que queremos ver em foco, o direcionando para a fóvea. Esta parte da retina processa a informação em detalhes e cores (leia mais aqui). Na retina a fóvea recebe um processamento desproporcional em relação ao que esta fora dela, causando uma “magnificação” da informação no cérebro.

Difícil? Em outras palavras, colocamos os objetos na fóvea porque o cérebro irá processar a informação para a qual é melhor equipado! A atenção foi, e ainda é, um modo eficaz de nosso cérebro poupar energia e não se sobrecarregar, tendo desta forma um grande valor evolutivo para a nossa espécie. Como perceberam, vamos nos focar na atenção visual, mas ela acontece para os outros sentidos também.

O que mais chama atenção no nosso sistema visual é a saliência do ambiente ou dos objetos. Esta saliência é a característica física, como cor, brilho, contraste ou orientação, que se destacam. As áreas com alta saliência são facilmente notadas, veja a figura abaixo para entender melhor.

Figura 2. Cena do filme Irreversível. Nesta cena temos várias características uniformes. Por isso a figura da mulher em seu vestido champagne (ou pérola) se destaca do fundo e chama nossa atenção. Isto é a saliência. Fonte: AdoroCinema. 

A atenção possui algumas características ou subdivisões da atenção. Uma das mais conhecidas é a atenção dividida.

A atenção dividida nada mais é que prestar atenção a diferentes coisas ao mesmo tempo. Ela limita sua capacidade de processar as informações quando o mesmo sistema é dividido. Por exemplo, você pode ler este texto enquanto ouve música, mas não conseguirá dirigir e ler porque ambas as atividades requerem o mesmo sistema (o visual, no caso). Isto parece óbvio, mas imagine quantas pessoas você já viu no trânsito dirigindo e respondendo SMS no celular...

Figura 3. Lemmy Kilmister, baixista e vocalista do grupo Motörhead. Assim como Lemmy, vários músicos têm que dividir seus recursos atentivos entre cantar e tocar o instrumento. Fonte: Digformusic. 

A contraparte da atenção dividida é a atenção seletiva. Ela é o foco que você dá em objetos específicos enquanto ignora outros. Um exemplo clássico é o do vídeo abaixo. Mesmo se achar que conhece o efeito, assista:

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Erros de impedimento no futebol:

A física e a psicologia experimental em defesa dos bandeirinhas


Figura 1: Imagem retirada do endereço http://migre.me/9zq8P.

Todo bom brasileiro, mesmo não sendo fanático por futebol, já deve ter alguma vez na vida ofendido o assistente do juiz, popularmente conhecido por bandeirinha, em uma partida. Quem nunca questionou a falta de preparo, competência, ou mesmo o caráter daquele profissional que tem como única função levantar uma bandeira?

A função, marcar o impedimento, parece simples: levantar a bandeira se, no momento do passe, o jogador que receber a bola estiver mais próximo do gol em relação ao último defensor (excluindo o goleiro). Porém, esta tarefa exige do profissional capacidades que vão além daquelas que seu sistema visual é capaz de realizar, relacionadas a alguns processos sensoriais e perceptivos. Entre eles a simultaneidade, a paralaxe e o flash-lag.


Simultaneidade e movimentos sacádicos
Uma das possíveis causas de erros de impedimento está relacionada ao movimento dos olhos. A todo o momento nossos olhos realizam deslocamentos para a região da fóvea, a área de visualização detalhada da cena visual, que são chamados de movimentos oculares sacádicos (MOSs). Eles possuem latência (intervalo entre a apresentação do estímulo e a reação do indivíduo) de 180-200 milissegundos (ms) e duração dependente da amplitude (distância) da sacada; mas podemos assumir que um MOS termina por volta de 250-300 ms do início do estímulo. 

No momento anterior ao julgamento do lance, o assistente está olhando diretamente para um jogador de ataque com a posse de bola, e o último jogador da defesa está na periferia de seu campo visual (ou mesmo fora deste). No momento do passe, o assistente realiza um MOS para fixar na fóvea o último defensor e avaliar se o atacante que está para receber a bola se encontra antes ou depois deste defensor. Em situações como esta, ao considerarmos, por exemplo, que defensor e atacante estão na mesma linha no momento do passe, indo a direções opostas do campo a uma velocidade de 5 m/s, após um MOS de 250-300 ms, o atacante estará 2,5-3,0 m à frente do defensor (Figura 1a). Esta distância seria de 1,25-1,50 m caso o defensor estivesse parado (Figura 1b).


Figura 2: Distância percorrida por jogadores que estavam na mesma linha no momento do passe, após término de um movimento ocular sacádico (250-300 milissegundos) efetuado pelo assistente. 

Em resumo, no momento do passe de bola, o gasto temporal exigido na mudança do foco da visão, pode fazer com que o deslocamento executado por um ou mais jogadores coloque o atacante em posição de impedimento, mesmo que o assistente esteja posicionado na linha do último defensor. Este processo é agravado se, além do MOS, é exigido um movimento de rotação de cabeça. O vídeo abaixo ilustra o fenômeno.

 

Vídeo 1: Recorte de reportagem exibida no dia 18/03/2012 pela Rede Globo, no programa Esporte Espetacular. Modificado do endereço migre.me/9BcwO .


Paralaxe e o efeito geométrico
Outro fenômeno que interfere na marcação de impedimentos é a Paralaxe, caracterizada pelo deslocamento aparente de um objeto quando se altera o ponto de observação. Diferentes posições provêem diferentes ângulos visuais e, consequentemente, diferentes imagens de uma mesma cena visual. Sendo assim, o posicionamento do assistente ao longo da linha lateral em relação ao último marcador afeta de maneira decisiva a marcação do impedimento. Erros são cometidos com maior incidência quando o assistente se encontra à frente do último marcador. Mas o assistente estará fadado ao erro caso não se encontre alinhado ao último defensor, na chamada linha de impedimento. A figura e o vídeo abaixo ilustram este fenômeno.


Figura 3: Os assistentes se posicionam em média 1,2 m à frente do último defensor. Deste modo, não percebem a linha de impedimento como sendo perpendicular em relação à linha lateral do campo. Um atacante posicionado atrás do defensor na área vermelha será prejudicado, visto que o assistente o perceberá a frente do defensor (falso alarme). Mas se ele se encontrar em posição de impedimento na área vermelha, será beneficiado, dado que o assistente o perceberá atrás do defensor (omissão). Modificado de Baldo, Ranvaud & Morya (2002).



Vídeo 2: Recorte de reportagem exibida no dia 18/03/2012 pela Rede Globo, no programa Esporte Espetacular. Modificado do endereço migre.me/9BcwO .


Flash-lag
Além da paralaxe, outro fenômeno pode contribuir para erros de impedimento. É o efeito flash-lag, quando um objeto em movimento é percebido como alcançando no espaço sua posição num instante definido por um marcador de tempo (em geral, um flash do estímulo rapidamente apresentado, em experimentos feitos em laboratório). No futebol, este marcador seria o momento exato do chute em que um companheiro de time realiza um passe a um atacante que está potencialmente impedido. É neste evento abrupto que o assistente deve julgar se o atacante está à frente ou não do último defensor. O flash-lag faz com que o atacante seja percebido à frente de sua real posição ocupada no momento do passe, o que aumenta a probabilidade de erros de impedimento. Isto acontece independente da posição (ângulo visual) do assistente. 

Existem diferentes explicações para o efeito. Uma delas diz que a extrapolação perceptual seria um mecanismo de compensação de atrasos de transmissão no processamento perceptual de objetos em movimento. Outro modelo conceitual afirma que a aparição abrupta de estímulo visual (momento do passe) estaria associada com latências sensoriais longas em comparação a um estímulo em movimento (atacante). Uma explicação atencional diz que a realocação do foco atentivo no espaço requer tempo, não é percebida por aparelhos de rastreamento de movimento ocular e, apesar de muito rápida, pode interferir no julgamento do assistente. O vídeo 3 ilustra este processo. 

Em uma partida, não só os assistentes estão sujeitos ao flash-lag. É possível que, quando um jogador “fura” o chute, ele tenha percebido a bola (estímulo em movimento) a frente de sua real posição após o passe efetuado pelo companheiro de time (evento abrupto que define o marcador temporal).


Vídeo 3: Recorte de reportagem exibida no dia 18/03/2012 pela Rede Globo, no programa Esporte Espetacular. Modificado do endereço migre.me/9BcwO .


Vários outros fatores físicos, cognitivos e psicológicos afetam a precisão do julgamento de um assistente em uma partida: motivação, estresse, preparo físico e técnico, preferências implícitas por times ou jogadores, fadiga, entre outros (Figura 4). Aqui, discutimos apenas àqueles de ordem sensorial e perceptiva. Podemos ver quão passível ao erro é a atuação do assistente (e de todos nós em situações semelhantes). Isto não diminui sua importância e função dentro do futebol, mas disso podemos tirar duas conclusões. Primeiro, talvez esteja na hora das federações de futebol quebrarem um tabu ao aceitarem que avanços tecnológicos, como o uso de detectores simultâneos, sejam utilizados em partidas oficiais (como acontece no tênis). Segundo, entender que as capacidades sensoriais exigidas a um assistente, no momento de tomada de decisão de um impedimento, vão além dos limites da espécie humana. Então, pense bem antes de ofender a mãe do bandeirinha.


Figura 4: Imagem retirada do endereço 9gag.com .

Quer baixar o texto? Clique aqui.

Rui de Moraes Jr.
(O autor não possui nenhum familiar que exerça a profissão de assistente de futebol, e é um corinthiano relapso. Sua motivação ao escrever este texto foi meramente científica)

Agradecimento ao professor Dr. Marcus Vinícius Chrysóstomo Baldo (ICB-USP), pela gentil colaboração na indicação dos artigos de referência deste texto. 

Para saber mais:

  • Baldo, M. V. C., Ranvaud, R. D. and Morya, E. (2002). Flag errors in soccer games: The flash-lag effect brought to real life. Perception, 31,1205–1210.
  • Catteeuw, P., Gilis, B., García-Aranda, J., Tresaco, F., Wagemans, J. and Helsen, W. (2010).  Offside decision making in the 2002 and 2006 FIFA World Cups. Journal of Sports Sciences, 28, 1027-1032.
  • Catteeuw, P., Gilis, B., Wagemans, J. and Helsen, W. (2010). Perceptual-cognitive skills in offside decision making: Expertise and training effects. Journal of Sport & Exercise Psychology, 32, 828-844. 
  • Oudejans, R. R. D., Verheijen, R., Bakker, F. C., Gerrits, J. C., Steinbrücken, M. and Beek, P. J.(2000). Errors in judging “offside” in football. Nature, 404, 33.
  • Sanabria J., Cenjor C., Marquez F., Gutierrez R., Martinez D., Prados-Garcia J.L. (1998). Oculomotor movements and football's Law 11. Lancet, 351, pp. 268. 
  • Reportagem: Ciência aponta fatores que podem atrapalhar o bandeirinha na hora de marcar o impedimento. (18/03/2012). Rede Globo. Endereço: migre.me/9BcwO .
  • Reportagem: ICB estuda meios de diminuir erros de bandeirinhas de futebol. Endereço: migre.me/9zq4Q .

domingo, 10 de junho de 2012

A Luz e o Olho

No texto "Como a informação sensorial é processada" vocês puderam observar um modelo do processo básico da informação sensorial pelos sentidos. 

Agora vamos falar especificamente da visão. Para vermos algo, precisamos de luz. Ela é uma energia eletromagnética radiante emitida por objetos energéticos ou quentes (Sol, fogo, etc.) e refletida pelos objetivos que não produzem. A luz se propaga em várias direções (ver aqui: Fonte: Átomo e meio ). Se luz estiver dentro do nosso espectro visível, podemos enxergar o mundo.

Seres vivos bem simples como ameba possuem capacidade de saber onde está a luz, de captá-la, mas não transformá-la em imagens. Para criar imagens, já é necessária uma estrutura mais complexa, como os olhos. 


Figura 1. Estruturas que captam a luz. Acima e à esquerda: uma ameba, que capta a luz com todo seu corpo. Ao lado o olho de um caramujo. Abaixo, o olho de um crocodilo do Nilo, e ao lado, o olho de um cão da raça Husky. Fonte: Ameba (Algo Sobre) e olhos (Suren Manvelyan).



Os olhos captam a luz do ambiente e através de um processo de transdução a transformam em impulsos nervosos que transmitirão a informação sensorial.

As principais estruturas do olho por onde esta informação passará são: córnea, íris, pupila, cristalino, retina e nervo ótico. 


Figura 2. As principais estruturas do olho descritas no texto. Fonte: BlogPercepto.


A Córnea (o primeiro contato da luz com o olho) refrata a luz do ambiente para jogá-la na retina.

A Íris (o disco colorido) é formada por músculos lisos, regula quantidade de luz que entra no olho. Quando há pouca luz – dilata, se a luz é forte/brilhante, se fecha. Ainda, a íris é formada por anéis, pontos, estrias e etc. 250 características que nos identificam. Por isso é também usada como as digitais para mecanismos de segurança e identificação biométrica.


Figura 3. Três exemplos de íris humanas. Note que a superfície é cheia de relevos e nenhuma possui a mesma característica que a outra. Fonte: Suren Manvelyan.


Já a pupila é a parte escura, negra do olho, que mede entre 2 a 9 mm. É por onde a luz entra na cavidade ocular. Uma curiosidade: já viu algum médico acendendo uma lanterna no olho do paciente em estado grave? Então, ele está testando o Reflexo de Whytt. Este reflexo nada mais é que uma ação reflexiva da pupila em que o médico testa se houve uma lesão cerebral (no mesencéfalo e tronco encefálico).


Figura 4. Reflexo de Whytt.Ao se incidir uma fonte luminosa no olho, a pupila se contrai reflexivamente. Fonte: Google.


Cristalino é uma lente transparente e flexível que muda seu formato para adequar a imagem na retina conforme distância entre observador e objeto. E ele inverte a imagem que chega aos olhos! Isso mesmo, neste exato momento nos seus olhos a imagem destas palavras estão invertidas, seu computador está de cabeça para baixo!


Figura 5. Cristalino ajustando a imagem de um objeto longe (esquerda) e um perto (direita). Fonte: Google.


Retina é uma camada de células que absorve energia luminosa. É formada por células nervosas e fotorreceptores que fazem a transdução sensorial. As células principais são os Cones e Bastonetes. Os Cones são cerca de 6 milhões localizados na região da fóvea (depressão na retina onde você “foca” a imagem) e permitem que você enxergue cores. Enquanto os Bastonetes são cerca de 120 milhões na região periférica e são responsáveis pela visão em tons de cinza.


Figura 6. Figura esquemática da retina. À esquerda vemos o olho e à direita a luz incide na retina, a parte com maior acuidade visual. Fonte: Senstation and Perception 


O nervo óptico é a estrutura responsável por levar a informação da retina até o cérebro. Durante este trajeto a informação visual passará pelo quiasma óptico (você pode ler sobre sua importância aqui :link) e depois pelo Núcleo Geniculado Lateral (NGL).


Figura 7. Resumo da captação e transformação da luz pelo olho. Fonte: blogPercepto


Por fim, a informação chega até uma área cerebral chamada córtex visual primário (V1). A partir de V1 o cérebro se encarregará de interpretar a imagem invertida (pelo cristalino) de forma normal (sem inversão), avaliar cor, tamanho, forma, distância e tudo mais somente a partir da imagem que chegou até a retina (ver Figura 8 abaixo). Então qualquer problema para a chegada desta imagem na retina, resultará em uma distorção no cérebro.


Figura 8. Esquema da formação da imagem pelo cérebro. A imagem da joaninha é processada por diferentes partes do cérebro e depois “montada” em uma única imagem. Fonte da imagem: eyemakearte


Em outros textos aprofundaremos mais o assunto visão, falando sobre a percepção de cores e alguns problemas de visão. 

Quer baixar o texto? Clique aqui.


                                                      Bruno Marinho de Sousa

Se quiser aprender mais:

Schiffman, H. R. Sensação e Percepção. 5ª Ed. Rio de Janeiro: LTC, 2005.

Guyton, A.C.; Hall, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 11ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier Ed., 2006.

domingo, 11 de março de 2012

Canhoto

Quantos canhotos você conhece? Deve ter encontrado alguns poucos na sua memória. Pesquisas indicam que mais de 90% das pessoas são destras, ou seja, escrevem com a mão direita.

Esta prevalência no uso da mão direita ocorre desde os tempos pré-históricos. Cerca de 80% das pinturas rupestres foram feitas com a mão direita. Ainda, os estudos sobre pintura demonstram que não houve alteração, ou mudança no padrão de uso das mãos, em mais de 5 mil anos (de 3000 a.C. a 1950).

Figura 1. Pinturas rupestres da Toca do Boqueirão da Pedra Furada. Fonte: Fumdham


Os canhotos sofreram e sofrem preconceito. Muito deste preconceito é e foi causado por interpretações simplórias de eventos e textos importantes. Vejamos alguns exemplos. Na Bíblia, em Mt 25,41, está escrito: “Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”. Já no dicionário Aurélio, o canhoto é definido como “inábil, desajeitado”. Em outros idiomas a palavra “canhoto” também possui definições de cunho negativo.

Uma curiosidade, que você deve ter ouvido nas aulas de História. Durante a Revolução Francesa, no século XVIII, os girondinos (alta burguesia) sentavam-se à direita e os jacobinos (pequena burguesia e sans-culottes - populares) à esquerda, em relação à mesa da presidência. Após este evento, partidos políticos que se voltam contra o governo, com um ideal mais popular, são chamados de “Esquerda”. Essa associação da esquerda com a política ficou tão forte que na ditadura espanhola do General Franco (1892 – 1975) não era permitido aos alunos escreverem com a mão esquerda, pois ela era associada com a “Esquerda Comunista”.

No século XIX surgiram algumas teorias para explicar o uso predominante da mão direita. Uma delas, a da distribuição visceral, alegava que os órgãos viscerais estavam mais distribuídos para a esquerda. Isso faria com que o pé esquerdo controlasse o peso do corpo, deixando a mão direita livre gerando uma maior habilidade a ela. Já a teoria da Espada e Escudo, ou Evolução Social, alegava que os soldados empunhavam seus escudos com a mão esquerda, como uma forma de proteger o coração, enquanto a direita ficava livre para atacar com a espada. Após eras de combates, a mão direita ganhou esta maior capacidade manipulativa. Entretanto, nenhuma destas duas teorias faz sentido. A primeira não explica porque os canhotos não têm os órgãos invertidos e a segunda porque o número de canhotos permanece estável através dos tempos.

Depois do conhecimento das funções cerebrais, principalmente das funções hemisféricas, surgiram novas explicações para as diferenças entre destros e canhotos. De modo geral, cada hemisfério é melhor para operar determinadas funções, como a fala. Mas será que o cérebro de destros e canhotos funciona igual? Vejamos esta diferença em relação a fala.

Apesar de talvez você imaginar que o canhoto tenha todas as suas funções mentais invertidas (seria um destro ao contrário), na verdade em 70% dos canhotos as regiões cerebrais responsáveis pela fala estão no Hemisfério Esquerdo. Os outros 30% têm representação bilateral (nos dois hemisférios). Enquanto isso, em 95% dos destros a fala está localizada no Hemisfério Esquerdo. Graças ao fato de parte dos canhotos terem representação bilateral para a fala, eles têm uma chance maior de se recuperar de uma afasia, em conseqüência de um derrame, já que as suas funções cerebrais são mais espalhadas entre os dois hemisférios.

Uma ferramenta para descobrir a dominância manual das pessoas foi publicada em 1971.  R.C. Oldfield publicou o seu Endinburgh Handedness Inventory (Inventário de Dominância Manual de Edimburgo). Ele é muito popular e é utilizado em vários estudos científicos para descobrir se uma pessoa é destra, canhota ou ambidestra.

Mas como descobrir qual hemisfério domina a fala? Jerre Levy e Mary Lou Reid apontaram que a posição da mão responderia a esta questão. Se você escreve com a mão invertida (acima da linha da escrita), quem controla a fala é o mesmo hemisfério desta mão. Em outras palavras, se você é canhoto e escreve com a mão “torta”, acima da linha, é o seu hemisfério esquerdo quem controla a fala. O mesmo vale para os destros, mas neles é mais raro alguém escrever assim. Esta idéia é controversa e não foi comprovada por outros estudos.


Figura 2. À esquerda está o canhoto Barack Obama com sua mão invertida ao escrever. À direita, um canhoto que não inverte. Fonte: Google.com


Apesar de também termos outros órgãos aos pares, como olhos, ouvidos e pés, eles não possuem uma relação forte com a Assimetria Cerebral, como no caso das mãos. Mas apesar disto, existe uma correlação alta e positiva entre preferência de mão, olho, ouvido e pé!

Sobre a hereditariedade, a chance de um casal de destros ter um filho canhoto é de 2%. Mas se alguém do casal for canhoto, a chance sobe para 17%. Se os dois forem canhotos, a chance pula para 46%. Entretanto, pais e mães canhotos têm mais chances de ter um filho destro (54%) do que canhoto!

Alguns estudos apontam que os canhotos podem ter desordens de imunidade 2,5 vezes maior que os destros e também índice de desordens de aprendizagem até 10 vezes maior! Uma das alegações é que a testosterona diminuiria o crescimento de partes do hemisfério esquerdo durante a vida fetal. Isto resultaria em déficits no desenvolvimento da aprendizagem, com maior incidência no sexo masculino.

Mas estas desordens podem fazer os canhotos morrerem antes dos destros? Vamos ver alguns dados. Em outro estudo controverso, Stanley Coren descobriu que a proporção de canhotos diminui com a idade, em pessoas de 20 anos, há 13% de canhotos, mas aos 80 anos, a proporção é de apenas 1%! Em outro estudo foi encontrado que a mulher vive mais que o homem (77,55 e 71,61 anos, respectivamente). Entretanto a média de vida dos destros é de 75,34 anos contra 66,20 anos para os canhotos!

Segundo alguns pesquisadores, estas diferenças podem ser explicadas por uma maior incidência de patologias nos canhotos, bem como um maior número de acidentes neste grupo. Entretanto, outros pesquisadores apontam que pode ocorrer uma mudança de dominância manual nos canhotos, o que mascararia alguns dados obtidos (muito foram obtidos com entrevistas de familiares após a morte).

Pelo que foi apresentado, você percebe que muito foi estudado em relação aos canhotos. Alguns estudos controversos geraram resultados que ainda precisam ser melhor investigados. Mas o que fica é que num mundo feito para destros, os canhotos não têm muitas opções.

Em geral eles têm que se adaptar ao mundo que dificulta a vida deles. Por isso, ao se aplicar o Inventário de Edimburgo, é muito comum ver canhotos que na verdade são ambidestros. A pressão social não permite que os canhotos desenvolvam plenamente suas habilidades, isso faz com que você veja canhotos que escrevem com a mão esquerda, tocam um instrumento com a direita, penteiam o cabelo com a esquerda, escovam os dentes com a direita e etc.


Figura 3. Ned Flanders com seu Leftortium (Canhotório, em tradução livre). Fonte: Leftorium 


O personagem Ned Flandersdo desenho The Simpsonsé canhoto e sofria para usar alguns objetos, por exemplo, uma tesoura. Ned então decidiu criar uma loja só com utensílios “adaptados” aos canhotos. E este tipo de loja existe no mundo real (veja o site aqui). E é um mão na roda para os canhotos, pois torna mais fácil realizar uma série de atividades cotidianas (usar abridor de latas, mouse, etc.).

Quer baixar o texto? Clique aqui

Bruno Marinho de Sousa

Para conhecer mais o assunto:

SPRINGER, S. P. e DEUTSCH. D. (1998), “O Enigma do Canhoto”, in: Sally P. Springer e Georg Deutsch, Cérebro esquerdo, cérebro direito (Tradução: Thomaz Yoshiura), São Paulo: Summus, 1998. (Este é um livro bem acessível em sua linguagem e fácil de ser encontrado em sebos).

Oldfield, R.C. (1971). The assessment and analysis of handedness: The Edinburgh inventory. Neuropsychologia, 9, 97-113.


Curiosidades em português: Mundo Canhoto

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Obras de Dalí como ferramenta para avaliação de alterações perceptivas na esquizofrenia


A esquizofrenia é um transtorno psicológico que altera de maneira severa a percepção e cognição do indivíduo. Ela atinge 1% da população brasileira, e a cada ano aproximadamente 50 mil novos casos são registrados. São característicos três tipos de sintomas: motores (imobilidade, hiperatividade, movimentos repetitivos), negativos (humor não modulado, pobreza de fala, apatia) e positivos (alucinações e delírios).

A avaliação dos sintomas positivos é feita, principalmente, tendo como base o conteúdo e a estruturação do discurso do paciente. Estas alterações cognitivas são precedidas por àquelas de ordem sensorial. Então, por que não utilizar marcadores diagnósticos sensório-perceptivos?

Figura 1: "Mercado de escravos com o busto de Voltaire desaparecendo", de Salvador Dalí.

A dificuldade está em detectar e mensurar eventos relevantes, associados ao quadro patológico, antes do agravamento dos sintomas positivos. Neste caminho, a equipe de pesquisadores liderada pela professora Maria Lúcia B. Simas (UFPE) propôs um interessante marcador visual a partir de pinturas de Salvador Dalí e Victor Molev. As obras selecionadas no trabalho deste grupo apresentavam o que é chamado de concatenação de formas. Este fenômeno é caracterizado pela percepção de um objeto, supostamente fictício, por meio de bordas de outros objetos menores numa mesma cena (Figuras 1 e 2). 

O grupo de pesquisadores mensurou o tamanho das figuras, contidas nas pinturas selecionadas, que primeiro chamou a atenção dos participantes. Foram conduzidos dois estudos, em que pacientes diagnosticados com esquizofrenia perceberam primeiro objetos 1,5 e 3 vezes maiores do que os relatados por voluntários do grupo controle. Em um terceiro estudo, realizado com pacientes portadores de depressão maior, não foram encontrados alterações na percepção visual de tamanho.

Figura 2: "Freud", de Victor Molev.

Em suma, portadores de esquizofrenia têm uma seletividade alterada para objetos de grande porte em imagens que sofrem o efeito de concatenação de formas. É possível que este efeito esteja relacionado a uma maior sensibilidade ao contraste em frequências espaciais muito baixas. A partir dos resultados, foi sugerido que as pinturas de Dalí e Molev podem ser utilizadas como ferramentas auxiliares no diagnóstico precoce da esquizofrenia. Isto evitaria o agravamento dos sintomas e a eclosão do surto.

Afora o efeito de concatenação de formas, as obras de Dalí são conhecidas por imagens bizarras e oníricas, sendo referencias no movimento surrealista. É possível que as temáticas e a estética de suas telas tenham sido reflexo da esquizofrenia, da qual ele teria sido portador. Hoje, mais de 20 anos após sua morte, o pintor catalão tem a possibilidade de contribuir na avaliação da doença que ele muito provavelmente vivenciou.

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Rui de Moraes Jr.



 Para saber mais:

  • Simas, M. L. B.; Nogueira, R. M. T. B. L.; Menezes, G. M. M.; Amaral, V. F.; Lacerda, A. M.; Santos, N. A. (2011) O uso de pinturas de Dalí como ferramenta para avaliação das alterações na percepção de forma e tamanho em pacientes esquizofrênicos. Psicologia USP, 22(1), 67-80.
  • Arte previne surtos de esquizofrenia(O Estadão, 20.07.2011).