domingo, 20 de outubro de 2013

Ambliopia

Quando era criança notei algo estranho na minha visão. Quando eu fechava o olho esquerdo e observava o mundo ao redor, parecia nítido. Quando fechava o olho direito não era a mesma coisa, o mundo ficava mais embaçado. Era mais difícil de distinguir os detalhes com meu olho esquerdo. Isso me intrigou, perguntei para um amigo se os olhos dele também eram assim. Ele disse que era um pouco. Mas como eu era criança achei que estava tudo certo, era assim mesmo, um olho bom e um ruim...


Cheguei a ir num oftalmologista nessa época e deveria ter voltado no ano seguinte. Na faculdade a visão ficou pior, passei a não enxergar bem as letras no quadro e sentir muitas dores de cabeça ao ler por um tempo prolongado. Então marquei uma consulta no oftalmologista. Ao terminar os exames descobri que tinha “perdido” 30% da acuidade do olho esquerdo. E foi então que pela primeira vez ouvi falar em ambliopia.

Figura 1. Diferença simulada entre os olhos para um caso de ambliopia. À esquerda a imagem formada pelo olho amblíope e à direita a imagem do olho bom. Durante a fusão das imagens pelos dois olhos há uma compensação da imagem borrada pelo olho bom. Imagem adaptada de: Insight Optometrists 


A ambliopia* é a redução da acuidade visual, que não é decorrente de alterações físicas ou orgânicas no olho, mas sim pela falta de estimulação no período crítico de desenvolvimento do sistema visual. Ela acomete de 1 a 5% da população e não é corrigida com óculos, pois o déficit visual está na região do cérebro que recebe a informação do olho amblíope. No período crítico o cérebro possui uma alta sensibilidade para adquirir sinais instrutivos e adaptativos do ambiente externo. Então se a região cerebral não for estimulada de forma apropriada pode-se desenvolver a ambliopia. Dessa forma, haverá um favorecimento do processamento da informação visual do olho sem ambliopia.

Algumas causas da ambliopia podem ser:
  • desequilíbrio funcional entre os dois olhos devido à anisometropia (erro refrativo entre os olhos);
  • estrabismo (os olhos possuem um alinhamento anormal entre si) e
  • catarata congênita (opacificação do cristalino, que obstrui a passagem de luz no olho). 

Tratamento

A ambliopia deve ser diagnosticada e o seu tratamento deve ser prescrito e acompanhado por um médico. O médico especialista para isso é o oftalmologista.

Há documentos que indicam que um tratamento para ambliopia já era realizado desde 900 a.C. pelos mesopotâmicos. Esse tratamento é utilizado até hoje e se vale do uso de um tampão (oclusão) no olho bom. Dessa forma, a pessoa terá que usar o olho amblíope (ruim), estimulando as conexões dele com o cérebro. Esse procedimento pode melhorar a acuidade visual por meio de neuroplasticidade (uma espécie de remapeamento cerebral

Figura 2. Esquema de como pode ser colocado o tampão no olho não prejudicado para tratamento de ambliopia. Fonte: imagem à esquerda: Glasses Complete


Quanto menor a idade da criança, maior o ganho de acuidade visual durante o tratamento. Pesquisas mostram que crianças de 4 a 7 anos obtêm mais ganhos na acuidade visual que crianças que fizeram o tratamento entre os 7 a 12 anos.

E a adesão ao tratamento prescrito pelo médico influencia bastante as melhorias. O tampão deve ficar várias horas por dia e por vários meses no olho bom. Ele é incômodo e pode gerar mal estar para a criança na escola, pois o tampão pode ser motivo de piadinhas entre os colegas. Isso deve ser bem trabalhado com a criança, pois se ela não seguir o tratamento indicado, as melhorias podem ser inferiores àquelas esperadas.

É possível prevenir ambliopia?

Aparentemente não. Alguns pesquisadores apontam que há uma discussão sobre exatamente o que define a ambliopia (em relação à perda de acuidade visual) e também sobre a sua etiologia. Então, a melhor forma de evitá-la é com o diagnostico e tratamento precoce.

E os adultos, podem ser tratados?

O tratamento em adultos ainda está no começo. Estudos com animais e ensaios clínicos apresentam melhorias em adultos, mostrando que é possível melhorar a acuidade pela plasticidade cerebral.

Estudos recentes apontam que técnicas de Aprendizagem Perceptual podem mudar a habilidade e a capacidade perceptual de qualquer modalidade sensorial (como a visão, audição e etc.). Isso é feito por meio de exercícios com diferentes estimulações, por exemplo, detecção de contraste, acuidade de Vernier e etc. Essas técnicas podem funcionar porque exigem dos participantes discriminações visuais sutis, usando o olho amblíope sob condições de estimulações ativas do sistema visual (leia mais aqui).

Figura 3: Exemplo de estimulação visual ativa. Estímulos diferentes são apresentados aos olhos numa tarefa de aprendizado perceptivo. Fonte: Frontiers in Cellular Neuroscience


Os estudos citados anteriormente utilizam a estimulação monocular para se tratar a ambliopia. Entretanto, outros estudos, como os dos pesquisadores Zhou, Thompson e Hess - publicado em 2013 na revista Nature, apontam que é possível tratar a ambliopia com a estimulação dos dois olhos. A técnica se vale da função binocular: trabalhando os dois olhos ao mesmo tempo e usando um tampão translúcido no olho amblíope. O tampão utilizado permitia que a luz entrasse, mas não era possível perceber padrões visuais. Essa técnica é interessante, pois favorece o uso dos dois olhos assim como vemos o mundo, criando uma dificuldade maior no olho amblíope.

Já num estudo brasileiro conduzido por Procianoy e colaboradores (2004) foi utilizado o fármaco levodopa (um precursor da dopamina – link: pt.wikipedia.org/wiki/Dopamina) associada à oclusão do olho amblíope. Isso foi feito em pessoas com ambliopia com idade entre 7 e 40 anos. Houve uma melhoria média na acuidade visual de 37,5% nas pessoas que seguiram o tratamento!!

Como se observa, há alguns tratamentos que podem ser eficazes para a ambliopia. Porém, eles ainda não são utilizados na clínica por se tratarem de estudos experimentais, sem uma padronização de qual funcionaria melhor.

Então, a melhor forma de se “tratar” a ambliopia ainda é o diagnóstico precoce. Se você tem filhos, se trabalha com crianças e elas apresentam alguma dificuldade de enxergar com um dos olhos (ou os dois), encaminhe para o oftalmologista.

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*Ambliopia às vezes pode ser referida como olho preguiçoso (do inglês, lazy eye).



                                                                                                Bruno Marinho de Sousa

  
Em inglês: Lazy Eye