segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Psicofísica Moderna III - Escalas Psicofísicas (parte II)



Em um texto anterior apresentamos um modelo de mensuração em níveis de medida fundamentado pelo psicólogo S. S. Stevens. Foi exposta a importância deste modelo nas diversas áreas do conhecimento em uma contextualização histórica. Aqui, trataremos de expor estes níveis de medida, ou tipos de escala.


Escala nominal

Num nível mais elementar de mensuração, temos as escalas nominais. Nestas, números, símbolos ou palavras são utilizadas para fazer a distinção e identificação de qualquer atributo a fim de separá-los em categorias (Figura 1a). Deste modo, elas não permitem a ordenação dos eventos segundo uma hierarquia, nem possibilita a averiguação do tamanho, ou magnitude, da diferença entre eles. Sendo assim, os eventos necessitam manter uma relação de equivalência, que é alcançada pela adoção de um critério que permite atribuir a cada dado somente uma categoria. Isso significa que os eventos de cada categoria devem guardar em comum o atributo em que foram avaliados e classificados, e não partilhar atributos de outras classes. De modo ilustrativo, podemos dizer que o sistema diagnóstico psiquiátrico se enquadra num tipo de escala nominal quando identifica os indivíduos em esquizofrênicos, bipolares, obsessivos, etc. De maneira similar, todo questionário demográfico apresenta algumas medidas nominais como: sexo (masculino, feminino), estado civil (solteiro, casado, viúvo), ocupação (estudante, profissional liberal, funcionário público, aposentado). Quando se utiliza números para descrever um evento, estes apenas rotulam, como os números na camisa de futebol de um time.


Escala ordinal

Nas escalas ordinais ainda há a presença de categorias, mas estas além de identificar e classificar um evento, estabelecem uma relação de ordem e os dados estão organizados numa escala linear crescente; ou seja, sabemos se determinado evento ou classe tem mais, ou em maior magnitude, o atributo que está sendo medido (Figura 1b). A maioria das pessoas hoje em dia tem contato com este tipo de medida. É comum responder questionários de satisfação do consumidor em que as categorias expressam diferentes graus crescentes de satisfação (por exemplo: muito insatisfeito, insatisfeito, indiferente, satisfeito e muito satisfeito). Por vezes, é feito um correlato numérico de cada categoria (por exemplo: a ordenação dos 100 teóricos de maior impacto na história da Psicologia). Este tipo de mensuração é muito comum nas Ciências Humanas. Em especial na Psicologia, o acesso à variável de interesse é dificultado por sua própria natureza, em que existe certo obscurantismo de acesso ao objeto de estudo, além dos subjetivismos de interpretação. De maneira ilustrativa, a ansiedade num nível fisiológico pode ser medida por índices numéricos da condutância elétrica em regiões da pele; já num nível cognitivo, na maioria das vezes não é possível a investigação de atributos psicológicos por meio de variáveis contínuas. Deste modo, é muito frequente o escalonamento ordinal.


Escala intervalar

Quando conhecemos a distância relativa entre dois pontos de uma escala estamos lidando com uma escala intervalar (Figura 1c). Isto sana a principal limitação de uma escala ordinal. Desta maneira, escalas intervalares nos permitem identificar os eventos e categorizá-los, saber a ordenação dos eventos e sua direção e, ainda, mensurar a magnitude da diferença entre cada evento. Nas escalas intervalares, a magnitude de dada diferença se mantém constante em toda a escala. Deste modo, é possível estabelecer uma unidade de medida. Esta, porém, é arbitrária, assim como o ponto zero (que é desconhecido ou empecilhos conceituais inviabilizam seu uso). O ponto zero em uma escala refere-se a um ponto nulo onde o atributo não se manifesta. Por exemplo, a unidade de medida de altura é arbitrária, e pode se dar em metros ou pés, bem como a altitude zero, que foi convencionada ao nível médio do mar. As unidades de medidas são comparáveis, de modo que a diferença entre dois pontos em uma escala seja igual em magnitude da variável medida em relação a outros dois pontos de outra escala. Por conseguinte, sempre haverá uma relação linear entre duas escalas intervalares expressas por uma equação de regressão linear do tipo y = a + b x. Outro exemplo, a temperatura é medida por duas escalas intervalares muito comuns: graus Celsius (°C) e graus Fahrenheit (°F). Caso eu deseje transformar 20 °C para a escala em Fahrenheit, e conhecendo o coeficiente linear (origem relativa de °F em relação a °C; a = 32) e angular (acréscimo da unidade de medida a ser adotada; b = 1,8) da equação, temos que °F = 32 + (1,8 × 20) = 68. Esta relação linear é encontrada com mais facilidade nas variáveis físicas, como distâncias ou pesos, ao contrário de fenômenos comportamentais e psicológicos. A natureza de variáveis como inteligência, resiliência, autoconceito e traços de personalidade compõe diversos componentes, difíceis de serem observados e avaliados, ainda mais em intervalos de medidas iguais. Este fato levanta uma série de problemas à tentativa de mensurações mais completas acerta de fenômenos das Ciências Comportamentais. Escalas psicométricas intervalares sempre embutem um grau de erro que deve ser controlado, a fim de que seus resultados se aproximem ao máximo de uma escala intervalar perfeita.


Escala de razão

No nível mais elevado de medida, encontrados as escalas de razão. Ela supera as escalas intervalares ao determinar a origem da escala, ou seja, um zero absoluto (Figura 1d). A partir disso é possível estabelecer relações de proporcionalidade. De modo ilustrativo, não podemos dizer que 30 °C é o dobro de 15 °C. Vale lembrar que o conceito de temperatura corresponde a velocidade de deslocamento das moléculas, e 0 °C é apenas relativo e não significa ausência de deslocamento, apenas foi convencionado como a temperatura em que a água congela. Uma outra escala, Kelvin (K), tem como origem o ponto em que as partículas da matéria não se movimentam, 0 K. Neste caso, sim, faz sentido afirmar que 300 K é o dobro de temperatura de 150 K, visto que não foram utilizadas medidas relativas e que o quociente entre quaisquer dois pontos da escala independem da unidade de medida, que passa a ser arbitrária. Dado isso, os eventos não perdem informação quando multiplicadas por uma constante, sendo as escalas de razão representadas por uma equação do tipo y = b x. É a mesma equação das escalas intervalares, com a diferença de que, como o ponto nulo (zero verdadeiro) é fixo, não é preciso do índice a (intercepto da função linear, valor que y assume quando x = 0, referente à origem relativa).


A importância de se conhecer as diferenças entre as escalas nos atenta para conhecer a natureza da variável a ser estudada e em que nível ela será tratada. Disto dependerá as subsequentes análises a qualquer tipo de dados. De nada adiantará a implementação de poderosas ferramentas estatísticas se a priori não se levar em conta questões mais básicas sobre as hipótese quantitativas relacionadas à observação e formalização na interpretação de dados.




Figura 1. Exemplos de escalonamentos de eventos. A, o uniforme 8 identifica o Dr. Sócrates (Fonte: brasilescrito.blogspot.com.br/). B, Por meio de uma escala ordinal a atriz Scarlett Johansson foi eleita a mulher mais sexy de 2013 (Fonte: celebridades.uol.com.br). C, O Monte Everest está a 8850 metros acima do nível do mar (Fonte: extraincrivel.blogspot.com.br). D, Usain Bolt é o velocista mais rápido do mundo (Fonte: en.wikipedia.org/wiki/Usain_Bolt).


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Rui de Moraes Jr.



Para saber mais:

  • Da Silva, J. A. Ribeiro-Filho, N. P. (2006). Avaliação e mensuração da dor: pesquisa, teoria e prática. Ribeirão Preto: FUNPEC-Editora.
  • Pasquali, L. (2010). Teoria da medida. Em: Pasquali, L. (Org.) Instrumentação psicológica: fundamentos e práticas (pp. 56-78). Porto Alegre: Artmed.
  • Stevens, S. S. (1946). On the theory of scales of measurement. Science, 103 (2684), 677-680.

domingo, 10 de novembro de 2013

Além dos limites do corpo

Você deve ter visto o filme Avatar, ou pelo menos ouviu falar dele por causa de seus efeitos 3D. No filme um soldado paraplégico entra num equipamento que permite que ele controle um avatar  (aqui e aqui) e interaja com o ambiente, tendo sensações e percepções do local. Outro exemplo do cinema, mas com uma roupagem diferente é a história do policial Alex Murphy que foi morto e ressuscitado como o ciborgue Robocop...


Figura 1. Pôster e cenas do filme Robocop(1987). Nesse filme um ciborgue (humano que possui partes mecânicas) é um policial que vive um conflito entre o seu lado máquina e as memórias humanas.  Fontes (respectivametnte): MoviePoster e ResistênciaNerd.


Esses filmes ainda são uma fantasia, mas o trabalho de Miguel Nicolelis e colaboradores publicado na Science TranslationalMedicine deu um passo nessa direção. Nicolelis faz parte de um projeto internacional chamado Walk Again Project (Projeto Andar de Novo). O objetivo principal desse projeto é criar a primeira interface cérebro máquina – ICM (do inglês, Brain-Machine Interface – IBM) capaz de restaurar a mobilidade em pessoas que possuem graus severos de paralisia. A ICM é um sistema híbrido que conecta o cérebro a máquinas. No caso do projeto, o objetivo é restaurar funções sensórias e motoras das pessoas com paralisias.


Figura 2. Um dos objetos e metas do Projeto Walk Again é fazer um adolescente com paralisia da cintura para baixo dar o chute inicial da Copa do Mundo de 2014. A imagem é uma simulação desse chute. Fonte: The Washington Post


A ICM em geral é investigada de forma unilateral – apenas um membro por vez (por exemplo, um braço). Ainda não era possível usar ICM com a capacidade de se movimentar com mais de um membro por vez. Quer dizer, não tinham.

Entretanto, a equipe de Nicolelis testou uma ICM com dois braços movimentando simultaneamente. O objetivo foi investigar as principais diferenças corticais para o controle dos movimentos dos braços durante uma tarefa com avatar e se seria possível para a ICM prever o comportamento quando houvesse restrição de movimentos. Essa pesquisa faz parte do Projeto Walk Again.

Para isso os cientistas colocaram microeletrodos para captar a atividade de cerca de 500 neurônios simultaneamente em macacos rhesus (é a primeira vez que cientistas conseguem isso). Esses microeletrodos foram colocados em áreas motoras nos dois hemisférios cerebrais. Com isso seria possível verificar se essa quantidade de neurônios é suficiente para controlar a ICM com dois braços. E um algoritmo decodificou essa informação neural em linguagem computacional.

A tarefa foi realizada com a apresentação de um avatar em primeira pessoa num monitor em frente ao macaco (ver vídeos). O macaco via apenas os braços do avatar, imitando o que seria a sua visão real dos braços. Também havia um joystick em frente ao animal. Esse modelo de tarefa é eficaz e faz com o que os macacos se engajem na tarefa.

O experimento era realizado da seguinte maneira: primeiro eram apresentados dois quadrados e o macaco tinha que colocar seus braços virtuais sobre eles por um tempo. Isso seria o controle inicial do movimento. Após isso os quadrados desapareciam e eram apresentados dois círculos em diferentes posições do campo visual. Então o macaco tinha que colocar suas mãos sobre esses círculos-alvo por um determinado tempo. Você pode se perguntar: por que os macacos fariam uma tarefa dessas? Eles faziam porque ganhavam uma dose de suco. E segundo Nicolelis, os macacos adoram suco, especialmente o de laranja do Brasil. 


Vídeo 1. Exemplo da tarefa realizada por um dos macacos e seu avatar. Nessa condição houve o uso do joystick.



A tarefa podia ser realizada com a) o controle cerebral e movimento dos dois braços, b) controle cerebral e sem movimento dos braços e c) com um membro (com somente um braço do avatar). Quando era permitido o controle das mãos, os macacos usavam o joystick. E é importante destacar que um dos macacos não utilizou o joystick nenhuma vez. Lembram-se do Projeto Walk Again? Os pesquisadores limitaram o uso do joystick para que o macaco aprendesse a tarefa apenas com o pensamento. Isso permite simular o aprendizado de uma pessoa com paralisia severa. O outro macaco também realizou a tarefa sem o uso dos braços, mas depois de usar os braços. 


Figura 3. Representação virtual de como seria o avatar de um macaco tocando objetos. Fonte: Laboratório de Miguel Nicolelis


Uma observação muito importante. Os braços dos macacos foram imobilizados de uma forma que o animal ficasse numa posição natural e aparentemente confortável. Os procedimentos da pesquisa, como a imobilização dos macacos e implementação dos microeletrodos, foram aprovados pela Duke University Institutional AnimalCare and Use Committee de acordo com National Institutes of Health Guide for the Care and Use of Laboratory Animals (em pdf), dos Estados Unidos da América.

A quantidade de neurônios permitiu que os macacos controlassem os movimentos dos dois braços do avatar. O algoritmo foi capaz de prever a intenção do macaco em mover os braços a partir do padrão de atividade cerebral. Os resultados apontaram que os macacos aprenderam a utilizar a ICM. Conforme o desempenho na tarefa com os dois braços virtuais melhorava, havia uma difusão da plasticidade de áreas corticais do cérebro. Em outras palavras, parece que o cérebro dos macacos incorporou os braços do avatar às suas imagens corporais! E os macacos compreenderam que não era necessário o joystick para mover os braços, apenas pensar no movimento.

Vídeo 2. Exemplo da tarefa realizada por um dos macacos e seu avatar. Nessa condição não houve o uso do joystick, o macaco moveu o avatar apenas com o pensamento.


Essa tarefa de observação passiva (com os braços imobilizados) mostrou que é possível realizar a tarefa por meio da modulação cortical. Os registros corticais mostraram que as atividades corticais dos macacos são diferentes quando realizam a tarefa com um ou dois braços. Ainda, houve uma reorganização da representação cortical do avatar para a tarefa em que os macacos não podiam usar os braços. E os dois braços possuem uma representação própria, não sendo a soma direta das representações de cada braço.

Agora outras questões que ficam: como funcionaria a sensação e percepção de pessoas que utilizam neuropróteses como a proposta pelo Projeto Walk Again? A percepção corporal com a prótese seria semelhante a do corpo? Indo mais longe, imagine que num futuro próximo seja possível inserir próteses mecânicas no nosso corpo e que elas sejam controladas mentalmente no lugar de membros amputados. Como seria a percepção dessas próteses? Elas seriam incorporadas ao mapa topográfico do corpo? Ou elas seriam percebidas como uma extensão externa, como quando usamos um bastão, bengala ou óculos? Até podemos por um momento esquecer que são objetos externos, mas quando nos damos conta, lembramos que eles não fazem parte do nosso corpo.

Figura 4. Na ficção o Homem de Ferro criou um mecanismo que o mantém vivo e ainda um exoesqueleto que o torna extremamente forte, o protege e permite que ele voa (figura à esquerda e central). E como seria a vida de um “ciborgue”(à direita)?. Fontes (respectivamente): Fanpop, Maxon e NatalNeuro.


Com o passar do tempo as pessoas que perderam membros do corpo tem seu mapa sensorial e motor alterado, com as regiões vizinhas invadindo as regiões do membro ausente. Como isso ficaria em pessoas que não andam, ou perderam membros do corpo há muitos anos? Essas regiões absorvidas voltariam a “crescer”?

Figura 5. O poder do pensamento será capaz de controlar máquinas? Adaptado da sugestão de capa para a revista feita por  Miguel Nicolelis e colaboradores. Fonte: Miguel Nicolelis


Bem, são respostas que só a ciência poderá nos fornecer. As pesquisas psicofísicas e de percepção poderão ter um novo impulso ao se estudar essa população. Mas isso caberá ao futuro...

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Bruno Marinho de Sousa

Leia mais em:

P. J. Ifft, S. Shokur, Z. Li, M. A. Lebedev, M. A. L. Nicolelis, A Brain-Machine Interface Enables Bimanual Arm Movements in Monkeys. Sci. Transl. Med. 6 November 2013 5, 210ra154 DOI: 10.1126/scitranslmed.3006159 

Caso queira ler o artigo, entre na página do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (link http://www.natalneuro.org.br)

domingo, 3 de novembro de 2013

Psicofísica Moderna II – Teoria de Detecção de Sinal (parte II)

No texto Psicofísica Moderna II – Teoria de Detecção de Sinal (parte I) apresentamos os fundamentos teóricos da TDS. Ademais, apontamos que a maioria dos livros-textos cometem erros básicos em suas explicações sobre a referida teoria. A origem destes erros é a tentativa de simplificar um assunto deveras complexo.
Como discutido no texto supracitado, a TDS não supõe um limiar sensorial absoluto. Ou seja, perceber um estímulo é um fenômeno contínuo e não discreto. Neste sentido, depreende-se que o fato de uma pessoa perceber ou não um estímulo depende de fatores não-sensoriais. Os indivíduos não apenas percebem, mas tomam decisões acerca de evidências. A TDS relaciona o comportamento de escolha ao espaço de decisão psicológica.
Para avançar em nossa discussão, vamos nos valer mais uma vez do método sim/não. Este método de investigação é o mais simples dentro da TDS. Vamos supor que eu lhes apresente rapidamente (cerca de meio segundo) a Figura 1.
Figura 1. Padrão ambíguo para ilustrar o método sim/não.
Você consegue perceber/detectar um T nesta figura?

Após esta breve apresentação, será que você perceberia uma letra T dentro deste padrão? Algumas pessoas dirão que sim, percebi. Outras responderão: não, não percebi. Este cenário do método sim/não nos coloca quatro possíveis resultados, que dependem de dois fatores: 1) se o estímulo estava presente ou ausente; e 2) a resposta do observador (sim ou não). Estas possibilidades são comumente apresentadas em uma matriz de resultado (ver Figura 2). Caso o estímulo tenha sido realmente apresentado, uma resposta SIM é um “acerto” e uma resposta NÃO é uma “omissão”, como pode ser observado no lado esquerdo da Figura 2. Caso o estímulo não tenha sido apresentado, uma resposta SIM é um “falso alarme” e uma resposta NÃO é uma “rejeição correta”, como vemos no lado direito da Figura 2.
Figura 2. Uma matriz de resultado baseada no método sim/não da TDS.

A matriz de resultados expõe que diferentes observadores não respondem igualmente frente a um mesmo estímulo. O que pode ser uma evidência suficiente para uma pessoa responder SIM, pode não ser forte o suficiente para outra. Assim, vários observadores podem ter a mesma capacidade sensorial para perceber um estímulo e diferir somente no critério de decisão para dar uma resposta.
Por exemplo, uma pessoa pode cometer mais erros de julgamentos ou falhas, em função das consequências de sua resposta. Imagine um salva-vidas. Ele deve estar atento para evitar que pessoas se afoguem no mar. Uma pessoa que está na água agita os braços, ela encontra-se bem distante da areia. O salva-vidas tem que decidir se a pessoa está em perigo e precisa de socorro ou se está apenas agitando os braços. Nota-se aqui, uma grande incerteza associada ao processo de decisão. É melhor o salva-vidas ir até lá e conferir a real condição da pessoa ou não? A resposta para esta questão depende das consequências da decisão.

Neste caso, é preferível cometer um erro de “falso alarme” (ele ir e a pessoa não estar se afogando) do que um erro de “omissão” (ele não ir e a pessoa se afogar). Em outras situações, um erro de “omissão” pode ser mais prejudicial do que um de “falso alarme”. Imagine um médico que ao olhar um exame deve decidir sobre a necessidade ou não de operar um paciente. Não operar alguém que realmente precisava desta intervenção (“omissão”) é mais prejudicial do que operar um paciente que pouco se beneficiou da cirurgia (“falso alarme”).

Obviamente, as consequências de tomar uma decisão correta (“acerto” ou “rejeição correta”) também exercem um grande impacto na resposta. Vamos supor que você seja recompensado com certa quantia de dinheiro a cada vez que acertar uma resposta. Com certeza sua taxa de “acerto” aumentará. 

A TDS expande a abordagem da Psicofísica Clássica ao considerar os fatores de decisão relevantes para a compreensão dos processos perceptivos. Como mencionado no texto Psicofísica Moderna II – Teoria de Detecção de Sinal I (link), o critério de decisão adotado (β) também pode ser calculado. Contudo, assim como na Psicofísica Clássica, seu objetivo principal também é avaliar a sensibilidade (detecção e discriminação) dos sistemas sensoriais. Para isso, a TDS utiliza as porcentagens de “acerto” e de “falso alarme” para obter uma medida relativamente pura desta sensibilidade, o parâmetro d’.

Cabe destacar, que qualquer que sejam as condições que afetam o critério de resposta, este repercutirá de forma similar tanto sobre o índice de “acerto” quanto sobre o índice de “falso alarme”. Assim, se um observador adota um critério liberal, isto é, uma força de evidência pequena é suficiente para responder SIM, o resultado será uma alta proporção de “acerto”, mas também uma alta proporção de “falso alarme”. Conclui-se, então, que o preço de reconhecer perfeitamente um estímulo é o completo fracasso em reconhecer outro estímulo. 

Por outro lado, se o critério é conservador e, consequentemente, o observador necessita de uma evidência muito forte para responder SIM, haverá uma diminuição tanto da taxa de “falso alarme” quanto da taxa de “acerto”. Foi o que ocorreu na segurança dos aeroportos após o ataque às Torres Gêmeas em Nova Iorque no dia 11 de setembro de 2001. Para evitar uma nova tragédia, adotaram-se novas regras e critérios estritos  para garantir a detecção de uma ameaça, por menor que fosse a evidência desta. Consequentemente, várias pessoas inocentes foram  interrogadas e, até mesmo, detidas (aumento do taxa de "falso alarme").

Fica evidente que a variação do critério (β) afeta a relação existente entre as taxas de “acerto” e “falso alarme”. Ao analisar esta relação, podemos medir separadamente os efeitos da sensibilidade do observador em detectar o estímulo e os efeitos do deslocamento do critério (β). É muito comum na TDS, representar graficamente esta relação para uma intensidade constante de estímulo através de Curvas Características de Operação do Receptor (curvas ROC). No eixo y (ordenada) apresenta-se a proporção de “acerto” e no eixo x (abscissa) a proporção de “falso alarme”. Veja um exemplo de Curva ROC na Figura 3.

 
Figura 3. Exemplo de curva ROC. Cada ponto representa os acertos e os falsos alarmes em função de um critério (β), por exemplo, a expectativa pela presença do sinal. Vamos supor que houvesse uma variação no percentual de tentativas em que o estímulo foi realmente apresentado. Esta manipulação afetaria a expectativa do observador e, consequentemente, o critério (β). Note que quanto maior é este percentual, maior é a proporção de acertos e de falsos alarmes. É importante destacar que não é possível construir ROCs pelo método sim/não, a não ser que você tenha condições em que varie: 1) a intensidade do estímulo ou 2) proporção de apresentação do estímulos nas tentativas. (Adaptado de Harvey Jr., 2003, acesse esse texto aqui).


Para uma dada curva ROC, há dois parâmetros que se mantêm constantes ao longo da curva: 1) a sensibilidade do observador e 2) a intensidade do sinal. O que varia é a proporção de acertos e de falsos alarmes, em função de modificações no critério (β). É importante notar, que a curva ROC descreve um arco deslocado para o alto e para a esquerda. A medida de sensibilidade (d’) é calculada por meio do arqueamento da curva, utilizando-se as proporções de acertos e de falsos alarmes. Explicações sobre este cálculo estão além do escopo deste texto e seus detalhes podem ser encontrados na bibliografia sugerida.
Quando a curva está próxima à diagonal de 45°, isso indica um desempenho aleatório do observador, isto é, quando as proporções de acerto e de falso alarme são iguais (d’ = 0). Quanto maior for o arqueamento da curva, maior será o valor de d’ (ver Figura 4). Assim, maior será a taxa de acertos e menor a de falsos alarmes. Dessa forma, quanto maior o valor deste parâmetro, maior será a sensibilidade do observador a uma intensidade particular do estímulo, e maior sua capacidade de detectá-lo. Uma curiosidade: o desempenho praticamente perfeito, com uma taxa de acerto de 0,99 e uma taxa de falso alarme de 0,01, resultaria em um d’ = 4,65.
Figura 4. Cada curva ROC representa um valor específico de sensibilidade a uma determinada intensidade de sinal. 
(Adaptado de Green &Sweets, 1966/1988).

Por fim, a TDS desenvolveu-se em um nível extremamente sofisticado. Sua grande contribuição foi permitir uma avaliação dos efeitos da capacidade sensorial do observador, de maneira isolada de fatores não-sensoriais (expectativas, motivação, atenção, dentre outros). As teorias não são estáticas e estão sempre sendo revistas e melhoradas. Neste sentido, atualmente, os estudiosos da TDS tentam resolver dois problemas cruciais, a saber: a natureza e a determinação empírica sobre o ruído (não sabe o que é ruído? Leia aqui – link Psicofísica Moderna II – Teoria de Detecção de Sinal I). Além disso, a TDS foi fundamental para o renovado interesse sobre a Psicofísica, o que resultou inclusive na tradução para o inglês da obra seminal “Element der Psychophysik”, de Gustav T. Fechner, mais de cem anos após sua publicação.

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Leonardo Gomes Bernardino


Gostou? Quer ler mais?
  • Green, D. M., & Swets, J. A. (1966/1988). Signal detection theory and psychophysics, reprint edition. Los Altos, CA: Peninsula Publishing.
  • Harvey Jr., L. O. (2003). Detection Sensitivity and Response Bias. Handout of Psychology of Perception. University of Colorado. Boulder, Colorado.
  • Macmillan, N. A., & Creelman, C. D. (2005). Detection theory: A user’s guide. (2nd Edition). Mahwah, NJ: Erlbaum.