Você deve ter visto o filme Avatar, ou pelo menos
ouviu falar dele por causa de seus efeitos 3D.
No filme um soldado paraplégico entra num equipamento que permite que ele
controle um avatar (aqui e aqui) e interaja com o ambiente, tendo sensações e percepções do local. Outro exemplo
do cinema, mas com uma roupagem diferente é a história do policial Alex Murphy que
foi morto e ressuscitado como o ciborgue Robocop...
Figura 1. Pôster e cenas do filme Robocop(1987). Nesse filme um ciborgue (humano que possui partes mecânicas) é um
policial que vive um conflito entre o seu lado máquina e as memórias
humanas. Fontes (respectivametnte): MoviePoster e ResistênciaNerd.
|
Esses filmes ainda são uma fantasia, mas o
trabalho de Miguel Nicolelis e colaboradores publicado na Science TranslationalMedicine deu um passo nessa direção. Nicolelis faz parte de um projeto internacional chamado
Walk Again Project (Projeto
Andar de Novo). O objetivo principal desse projeto é criar a primeira interface
cérebro máquina – ICM (do inglês, Brain-Machine
Interface – IBM)
capaz de restaurar a mobilidade em pessoas que possuem graus severos de
paralisia. A ICM é um sistema híbrido que conecta o cérebro a máquinas. No caso
do projeto, o objetivo é restaurar funções sensórias e motoras das pessoas com
paralisias.
Figura 2. Um dos objetos e metas do Projeto
Walk Again é fazer um adolescente com paralisia da cintura para baixo dar o
chute inicial da Copa do Mundo de 2014. A imagem é uma simulação desse chute. Fonte:
The Washington Post
|
A ICM em geral é investigada de forma
unilateral – apenas um membro por vez (por exemplo, um braço). Ainda não era
possível usar ICM com a capacidade de se movimentar com mais de um membro por
vez. Quer dizer, não tinham.
Entretanto, a equipe de Nicolelis testou uma
ICM com dois braços movimentando simultaneamente. O objetivo foi investigar as
principais diferenças corticais para o controle dos movimentos dos braços
durante uma tarefa com avatar e se seria possível para a ICM prever o
comportamento quando houvesse restrição de movimentos. Essa pesquisa faz parte
do Projeto Walk Again.
Para isso os cientistas colocaram
microeletrodos para captar a atividade de cerca de 500 neurônios
simultaneamente em macacos rhesus (é a primeira vez que cientistas conseguem isso). Esses microeletrodos foram
colocados em áreas motoras nos dois hemisférios cerebrais.
Com isso seria possível verificar se essa quantidade de neurônios é suficiente
para controlar a ICM com dois braços. E um algoritmo decodificou essa
informação neural em linguagem computacional.
A tarefa foi realizada com a apresentação de
um avatar em primeira pessoa num monitor em frente ao macaco (ver vídeos). O
macaco via apenas os braços do avatar, imitando o que seria a sua visão real dos
braços. Também havia um joystick em
frente ao animal. Esse modelo de tarefa é eficaz e faz com o que os macacos se
engajem na tarefa.
O experimento era realizado da seguinte maneira: primeiro eram apresentados dois quadrados e o macaco tinha que colocar seus braços virtuais sobre eles por um tempo. Isso seria o controle inicial do movimento. Após isso os quadrados desapareciam e eram apresentados dois círculos em diferentes posições do campo visual. Então o macaco tinha que colocar suas mãos sobre esses círculos-alvo por um determinado tempo. Você pode se perguntar: por que os macacos fariam uma tarefa dessas? Eles faziam porque ganhavam uma dose de suco. E segundo Nicolelis, os macacos adoram suco, especialmente o de laranja do Brasil.
Vídeo 1. Exemplo da tarefa realizada por um dos
macacos e seu avatar. Nessa condição houve o uso do joystick.
A tarefa podia ser realizada com a) o controle
cerebral e movimento dos dois braços, b) controle cerebral e sem movimento dos
braços e c) com um membro (com somente um braço do avatar). Quando era
permitido o controle das mãos, os macacos usavam o joystick. E é importante destacar que um dos macacos não utilizou o
joystick nenhuma vez. Lembram-se do Projeto
Walk Again? Os pesquisadores limitaram o uso do joystick para que o macaco
aprendesse a tarefa apenas com o pensamento. Isso permite simular o aprendizado
de uma pessoa com paralisia severa. O outro macaco também realizou a tarefa sem
o uso dos braços, mas depois de usar os braços.
Figura 3. Representação virtual de como seria
o avatar de um macaco tocando objetos. Fonte: Laboratório de Miguel Nicolelis
|
Uma observação muito importante. Os braços dos
macacos foram imobilizados de uma forma que o animal ficasse numa posição
natural e aparentemente confortável. Os procedimentos da pesquisa, como a
imobilização dos macacos e implementação dos microeletrodos, foram aprovados
pela Duke University Institutional AnimalCare and Use Committee de acordo com National Institutes of Health Guide for the Care and Use of Laboratory Animals (em pdf), dos Estados Unidos da América.
A quantidade de neurônios permitiu que os
macacos controlassem os movimentos dos dois braços do avatar. O algoritmo foi
capaz de prever a intenção do macaco em mover os braços a partir do padrão de
atividade cerebral. Os resultados apontaram que os macacos aprenderam a utilizar
a ICM. Conforme o desempenho na tarefa com os dois braços virtuais melhorava, havia
uma difusão da plasticidade de áreas corticais do cérebro. Em outras palavras,
parece que o cérebro dos macacos incorporou os braços do avatar às suas imagens
corporais! E os macacos compreenderam que não era necessário o joystick para mover os braços, apenas
pensar no movimento.
Vídeo 2. Exemplo da tarefa realizada por um dos macacos e seu avatar. Nessa
condição não houve o uso do joystick, o macaco moveu o avatar apenas com
o pensamento.
Essa tarefa de observação passiva (com os
braços imobilizados) mostrou que é possível realizar a tarefa por meio da
modulação cortical. Os registros corticais mostraram que as atividades
corticais dos macacos são diferentes quando realizam a tarefa com um ou
dois braços. Ainda, houve uma reorganização da representação cortical do avatar para a tarefa em que os macacos não podiam usar os braços. E os dois
braços possuem uma representação própria, não sendo a soma direta das
representações de cada braço.
Agora outras questões que ficam: como
funcionaria a sensação e percepção de pessoas que utilizam neuropróteses como a
proposta pelo Projeto Walk Again? A percepção corporal com a prótese seria
semelhante a do corpo? Indo mais longe, imagine que num futuro próximo seja
possível inserir próteses mecânicas no nosso corpo e que elas sejam controladas
mentalmente no lugar de membros amputados. Como seria a percepção dessas
próteses? Elas seriam incorporadas ao mapa topográfico do corpo? Ou elas seriam
percebidas como uma extensão externa, como quando usamos um bastão, bengala ou
óculos? Até podemos por um momento esquecer que são objetos externos, mas
quando nos damos conta, lembramos que eles não fazem parte do nosso corpo.
Figura 4. Na ficção o Homem de Ferro criou um
mecanismo que o mantém vivo e ainda um exoesqueleto que o torna extremamente
forte, o protege e permite que ele voa (figura à esquerda e central). E como
seria a vida de um “ciborgue”(à direita)?. Fontes (respectivamente): Fanpop, Maxon e NatalNeuro.
|
Com o passar do tempo as pessoas que perderam
membros do corpo tem seu mapa sensorial e motor alterado, com as regiões
vizinhas invadindo as regiões do membro ausente. Como isso ficaria em pessoas
que não andam, ou perderam membros do corpo há muitos anos? Essas regiões
absorvidas voltariam a “crescer”?
Figura 5. O poder do pensamento será capaz de controlar máquinas?
Adaptado da sugestão de capa para a revista feita por Miguel Nicolelis e colaboradores. Fonte: Miguel Nicolelis
|
Bem, são respostas que só a ciência poderá nos fornecer. As pesquisas psicofísicas e de percepção poderão ter um novo impulso ao se estudar essa população. Mas isso caberá ao futuro...
Bruno Marinho de Sousa
Leia mais em:
P. J. Ifft, S. Shokur,
Z. Li, M. A. Lebedev, M. A. L. Nicolelis, A Brain-Machine Interface Enables
Bimanual Arm Movements in Monkeys. Sci.
Transl. Med. 6 November 2013 5, 210ra154 DOI:
10.1126/scitranslmed.3006159
Caso queira ler o artigo, entre na página do
Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (link http://www.natalneuro.org.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Nossos comentário são moderados apenas para evitar conteúdo ofensivo. Todas críticas boas ou ruins são bem-vindas.