segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Psicofísica Moderna III - Escalas Psicofísicas (parte II)



Em um texto anterior apresentamos um modelo de mensuração em níveis de medida fundamentado pelo psicólogo S. S. Stevens. Foi exposta a importância deste modelo nas diversas áreas do conhecimento em uma contextualização histórica. Aqui, trataremos de expor estes níveis de medida, ou tipos de escala.


Escala nominal

Num nível mais elementar de mensuração, temos as escalas nominais. Nestas, números, símbolos ou palavras são utilizadas para fazer a distinção e identificação de qualquer atributo a fim de separá-los em categorias (Figura 1a). Deste modo, elas não permitem a ordenação dos eventos segundo uma hierarquia, nem possibilita a averiguação do tamanho, ou magnitude, da diferença entre eles. Sendo assim, os eventos necessitam manter uma relação de equivalência, que é alcançada pela adoção de um critério que permite atribuir a cada dado somente uma categoria. Isso significa que os eventos de cada categoria devem guardar em comum o atributo em que foram avaliados e classificados, e não partilhar atributos de outras classes. De modo ilustrativo, podemos dizer que o sistema diagnóstico psiquiátrico se enquadra num tipo de escala nominal quando identifica os indivíduos em esquizofrênicos, bipolares, obsessivos, etc. De maneira similar, todo questionário demográfico apresenta algumas medidas nominais como: sexo (masculino, feminino), estado civil (solteiro, casado, viúvo), ocupação (estudante, profissional liberal, funcionário público, aposentado). Quando se utiliza números para descrever um evento, estes apenas rotulam, como os números na camisa de futebol de um time.


Escala ordinal

Nas escalas ordinais ainda há a presença de categorias, mas estas além de identificar e classificar um evento, estabelecem uma relação de ordem e os dados estão organizados numa escala linear crescente; ou seja, sabemos se determinado evento ou classe tem mais, ou em maior magnitude, o atributo que está sendo medido (Figura 1b). A maioria das pessoas hoje em dia tem contato com este tipo de medida. É comum responder questionários de satisfação do consumidor em que as categorias expressam diferentes graus crescentes de satisfação (por exemplo: muito insatisfeito, insatisfeito, indiferente, satisfeito e muito satisfeito). Por vezes, é feito um correlato numérico de cada categoria (por exemplo: a ordenação dos 100 teóricos de maior impacto na história da Psicologia). Este tipo de mensuração é muito comum nas Ciências Humanas. Em especial na Psicologia, o acesso à variável de interesse é dificultado por sua própria natureza, em que existe certo obscurantismo de acesso ao objeto de estudo, além dos subjetivismos de interpretação. De maneira ilustrativa, a ansiedade num nível fisiológico pode ser medida por índices numéricos da condutância elétrica em regiões da pele; já num nível cognitivo, na maioria das vezes não é possível a investigação de atributos psicológicos por meio de variáveis contínuas. Deste modo, é muito frequente o escalonamento ordinal.


Escala intervalar

Quando conhecemos a distância relativa entre dois pontos de uma escala estamos lidando com uma escala intervalar (Figura 1c). Isto sana a principal limitação de uma escala ordinal. Desta maneira, escalas intervalares nos permitem identificar os eventos e categorizá-los, saber a ordenação dos eventos e sua direção e, ainda, mensurar a magnitude da diferença entre cada evento. Nas escalas intervalares, a magnitude de dada diferença se mantém constante em toda a escala. Deste modo, é possível estabelecer uma unidade de medida. Esta, porém, é arbitrária, assim como o ponto zero (que é desconhecido ou empecilhos conceituais inviabilizam seu uso). O ponto zero em uma escala refere-se a um ponto nulo onde o atributo não se manifesta. Por exemplo, a unidade de medida de altura é arbitrária, e pode se dar em metros ou pés, bem como a altitude zero, que foi convencionada ao nível médio do mar. As unidades de medidas são comparáveis, de modo que a diferença entre dois pontos em uma escala seja igual em magnitude da variável medida em relação a outros dois pontos de outra escala. Por conseguinte, sempre haverá uma relação linear entre duas escalas intervalares expressas por uma equação de regressão linear do tipo y = a + b x. Outro exemplo, a temperatura é medida por duas escalas intervalares muito comuns: graus Celsius (°C) e graus Fahrenheit (°F). Caso eu deseje transformar 20 °C para a escala em Fahrenheit, e conhecendo o coeficiente linear (origem relativa de °F em relação a °C; a = 32) e angular (acréscimo da unidade de medida a ser adotada; b = 1,8) da equação, temos que °F = 32 + (1,8 × 20) = 68. Esta relação linear é encontrada com mais facilidade nas variáveis físicas, como distâncias ou pesos, ao contrário de fenômenos comportamentais e psicológicos. A natureza de variáveis como inteligência, resiliência, autoconceito e traços de personalidade compõe diversos componentes, difíceis de serem observados e avaliados, ainda mais em intervalos de medidas iguais. Este fato levanta uma série de problemas à tentativa de mensurações mais completas acerta de fenômenos das Ciências Comportamentais. Escalas psicométricas intervalares sempre embutem um grau de erro que deve ser controlado, a fim de que seus resultados se aproximem ao máximo de uma escala intervalar perfeita.


Escala de razão

No nível mais elevado de medida, encontrados as escalas de razão. Ela supera as escalas intervalares ao determinar a origem da escala, ou seja, um zero absoluto (Figura 1d). A partir disso é possível estabelecer relações de proporcionalidade. De modo ilustrativo, não podemos dizer que 30 °C é o dobro de 15 °C. Vale lembrar que o conceito de temperatura corresponde a velocidade de deslocamento das moléculas, e 0 °C é apenas relativo e não significa ausência de deslocamento, apenas foi convencionado como a temperatura em que a água congela. Uma outra escala, Kelvin (K), tem como origem o ponto em que as partículas da matéria não se movimentam, 0 K. Neste caso, sim, faz sentido afirmar que 300 K é o dobro de temperatura de 150 K, visto que não foram utilizadas medidas relativas e que o quociente entre quaisquer dois pontos da escala independem da unidade de medida, que passa a ser arbitrária. Dado isso, os eventos não perdem informação quando multiplicadas por uma constante, sendo as escalas de razão representadas por uma equação do tipo y = b x. É a mesma equação das escalas intervalares, com a diferença de que, como o ponto nulo (zero verdadeiro) é fixo, não é preciso do índice a (intercepto da função linear, valor que y assume quando x = 0, referente à origem relativa).


A importância de se conhecer as diferenças entre as escalas nos atenta para conhecer a natureza da variável a ser estudada e em que nível ela será tratada. Disto dependerá as subsequentes análises a qualquer tipo de dados. De nada adiantará a implementação de poderosas ferramentas estatísticas se a priori não se levar em conta questões mais básicas sobre as hipótese quantitativas relacionadas à observação e formalização na interpretação de dados.




Figura 1. Exemplos de escalonamentos de eventos. A, o uniforme 8 identifica o Dr. Sócrates (Fonte: brasilescrito.blogspot.com.br/). B, Por meio de uma escala ordinal a atriz Scarlett Johansson foi eleita a mulher mais sexy de 2013 (Fonte: celebridades.uol.com.br). C, O Monte Everest está a 8850 metros acima do nível do mar (Fonte: extraincrivel.blogspot.com.br). D, Usain Bolt é o velocista mais rápido do mundo (Fonte: en.wikipedia.org/wiki/Usain_Bolt).


Quer baixar o texto? Clique aqui.


Rui de Moraes Jr.



Para saber mais:

  • Da Silva, J. A. Ribeiro-Filho, N. P. (2006). Avaliação e mensuração da dor: pesquisa, teoria e prática. Ribeirão Preto: FUNPEC-Editora.
  • Pasquali, L. (2010). Teoria da medida. Em: Pasquali, L. (Org.) Instrumentação psicológica: fundamentos e práticas (pp. 56-78). Porto Alegre: Artmed.
  • Stevens, S. S. (1946). On the theory of scales of measurement. Science, 103 (2684), 677-680.

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