As expressões faciais de emoção
Definir emoção não é tarefa simples.
Entretanto, uma boa definição de emoção deve conter duas características
essenciais. A primeira delas é o substrato neural subjacente, que organiza
tanto as respostas aos estímulos emocionais quanto a própria percepção da
emoção. Em segundo lugar, não se pode negligenciar que as emoções têm uma
função biológica. Elas são importantes para que os animais apresentem respostas
comportamentais adequadas, aumentando suas chances de sobrevivência. Este
segundo ponto é particularmente interessante.
Os
membros da espécie humana vivem em grupos, ou seja, somos seres sociais. Isso
implica que somos interdependentes, o que um faz afeta o outro. Assim, nossa
sobrevivência depende de sinalizar o que queremos a outrem e de entender as
emoções alheias para que possamos prever a ação do outro. É preciso saber
rapidamente quem está se aproximando e que sinal emocional este indivíduo
mostra.
Essa
comunicação emocional pode ocorrer através da linguagem. Contudo, a maior parte
dela ocorre através de linguagem corporal, gestos e expressões faciais. Inclusive
em uma situação de conflito entre o que é dito e o que é expressado pela face, há uma tendência de que a informação não-verbal seja aceita como a
mais confiável. Por isso é tão difícil enganar alguém com um sorriso amarelo ou
esconder a decepção ao ganhar um presente que você não desejava. Veja a figura
abaixo. Mesmo que o garoto diga que gostou de seu presente, dificilmente alguém
acreditará.
Figura 1. Você acreditaria no
garoto se ele lhe dissesse: “Gostei muito do presente”?
A
expressão facial de emoção é uma dica fundamental no desenvolvimento e na
regulação de nosso comportamento social e interpessoal. Isso fica evidente
quando um indivíduo tem dificuldades na percepção ou na expressão de emoções
faciais. O resultado é um comprometimento na adaptação social do indivíduo. O
exemplo mais óbvio é o de crianças diagnosticadas com algum transtorno do
espectro autista. Claramente, elas têm maior dificuldade em identificar e
discriminar expressões faciais de emoção, o que repercute dificuldades e
prejuízos à sua interação social. Falando em autismo, muitos alunos me
perguntaram sobre a moça autista da novela “Amor à Vida. Aqui você encontra um texto bastante interessante sobre o assunto. As pessoas acometidas
pela Síndrome de Mobius têm grande dificuldade em estabelecer relacionamentos
interpessoais duradouros. Esta condição é um tipo raro de paralisia facial, o
que os tornam incapazes de produzir expressões faciais.
Dificilmente
você adentrará o mundo dos estudos sobre as expressões faciais de emoção sem
ouvir o nome de dois autores: Charles Darwin (1809-1882) e Paul Ekman (1934-) . O primeiro não precisa de
apresentações. Darwin revolucionou a ciência e o nosso modo de vermos o planeta
e nossa espécie com a publicação do livro “A Origem das Espécies” (1859).
Figura 2. Charles Darwin (1808-1882) e Paul Ekman (1934-), dois personagens fundamentais para os estudos das expressões faciais de emoção.
Treze
anos depois, ele publicou “A expressão
das emoções no homem e nos animais” (1872/2000), que é uma das primeiras
fontes de informação sobre as emoções dentro da perspectiva evolucionista. Cabe
destacar que nove anos antes da publicação deste livro de Darwin, Wilhelm Wundt
(1832-1920) publicou um livro de psicologia comparada intitulado “Preleções sobre a mente humana e animal”
(1863). Nele, defendia que a mente extrapola a dimensão humana, proposta
muito ousada para a época. Ele mesmo,
que fundou o Laboratório de Psicologia Experimental na Universidade de Leipizig
(1879), considerado o marco de início para o status científico da Psicologia.
Leia mais sobre essa história aqui.
Voltando
à Darwin, ele descreveu diversas reações emocionais em animais, refletindo
sobre sua função biológica e também observou as expressões de emoção em seus
próprios filhos e em pessoas de outras culturas. Darwin defendeu a hipótese da
universalidade das expressões faciais ao constatar que certos padrões de expressões
emocionais e de reconhecimento destas eram semelhantes entre diferentes
culturas. Durante a década de 1970, o então professor da Universidade da
Califórnia Paul Ekman realizou estudos transculturais que forneceram evidências
em favor da hipótese proposta por Darwin. Isso pode ser observado na figura
abaixo. Habitantes da Nova Guiné, com pouco estudo formal e pouco contato com
outras culturas demonstram a emoção de maneira semelhante aos ocidentais e não
têm dificuldade em reconhecer as expressões faciais destes.
Figura 3. Habitantes da
Nova Guiné (acima) e ocidentais (abaixo) com expressões de alegria, tristeza e
nojo (da esquerda para a direita). Fonte: Ekman,
P.; & Friesen, W. V. (1971). Constants across
cultures in the face and emotion. Journal of Personality and Social Psychology,
17 (2), 124-129.
A
natureza hereditária e não-aprendida das expressões faciais de emoção fica
evidente ao verificar-se que não há diferença nestas entre cegos congênitos,
que não puderam aprender como expressar suas emoções ao observar os outros, e
pessoas com visão normal (vidente). Abaixo, vemos dois atletas de judô
comemorando uma vitória. Você consegue dizer qual é cego e qual é vidente?
Muito semelhantes, não?
Figura 4. Judoca holandesa comemorando uma vitória (à esquerda) e judoca brasileiro também feliz ao conquistar uma vitória (à direita). Ela é cega desde o nascimento e ele é vidente.
A
contribuição de Ekman não parou por aqui. Em seus estudos, revelou-se a
existência de pelo menos seis expressões faciais básicas: alegria, tristeza,
medo, raiva, surpresa e nojo. Estas emoções básicas foram reunidas por Ekman e
seu colaborador Wallace Friesen em uma série de fotografias, chamada “Pictures
of Facial Affect” (1976). Este é o banco de dados mais amplamente utilizado nos
estudos de expressões faciais de emoção. Abaixo um exemplo de cada uma das emoções
consideradas básicas.
Figura
5. Raiva, Medo, Nojo, Tristeza, Alegria e Surpresa, no sentido horário a partir
da imagem acima e mais à esquerda. Fonte: Ekman, P.; & Friesen, W. V. (1976). Pictures of facial affect. Palo Alto:
Consulting Psychologists Press. 110 pictures, Black and White.
Ainda
hoje, o grupo de pesquisa liderado pro Ekman é muito influente neste campo de
pesquisa. Recentemente, após sua aposentadoria da Universidade, Ekman tem se
dedicado a aplicar os achados de sua pesquisa em ferramentas práticas que
auxiliam as pessoas a compreender melhor suas emoções, possibilitando uma maior
qualidade de vida. Além disso, ele fornece treinamento ao FBI, à CIA e a outros
agentes da lei norte-americanos para que a identificação de mentiras durante um
interrogatório seja mais acurada. Talvez você já tenha visto o seriado “Lie to me”,
cujo enredo se baseia em um grupo de investigadores especialistas em detectar
mentiras. O seriado é inspirado nos trabalhos de Paul Ekman e contou com sua
colaboração como consultor. Você pode conhecer melhor o trabalho deste notável
pesquisador aqui.
Neste
mês (fevereiro de 2014) foi publicado um artigo na Current Biology, que questiona
a ideia de que seriam seis as emoções básicas. Hipótese essa proposta e
defendida por Ekman na década de 1970 e, desde então, corroborada e utilizada
por praticamente todos os estudos de expressões faciais de emoção. É um
verdadeiro pilar desta área do saber. O trabalho liderado pro Rachael E. Jack
da Universidade de Glasgow investigou a dinâmica temporal das expressões
faciais através de um programa (Generative
Face Grammar) desenvolvido na referida universidade, o qual permite a
captura tridimensional de 42 músculos faciais de maneira individual e
independente.
Os
resultados mostraram que as expressões faciais de tristeza e de alegria são
claramente distintas ao longo do tempo. Por outro lado, inicialmente, as
expressões faciais de medo e surpresa compartilham um sinal: os olhos bem
abertos. O mesmo ocorre com as expressões de raiva e nojo que compartilham o
nariz franzido. Ou seja, a sinalização de medo e de surpresa, bem como a de
raiva e de nojo, é confusa nos primeiros estágios de processamento. Provavelmente,
ambas as características sinalizam perigo: um processo para rápida aproximação
(medo/surpresa) e outro para estímulos de perigo estáticos (raiva/nojo). Desta
maneira, os autores defendem que as seis emoções básicas, na verdade, podem ser
reduzidas a quatro.
Posteriormente,
à medida que o tempo passa, a
dinâmica de ativação dos músculos faciais transmite sinais que representam as
seis emoções básicas clássicas. Jack e seus colaboradores enfatizam que
pesquisas semelhantes devem ser realizadas em outras culturas para verificar se
estas quatro emoções básicas são realmente universais. Quer ler o
artigo? Clique aqui.
Será que este estudo mudará nossa compreensão
sobre as emoções e as expressões faciais? Vamos aguardar.
Quer baixar o texto? Clique aqui.
Leonardo
Gomes Bernardino
Gostou? Quer ler mais?
Darwin,
C. (1872/2000). A expressão das emoções nos homens e animais.
Companhia das Letras: São Paulo.
· Ekman, P.; & Friesen, W. V. (1971). Constants across cultures in the face and emotion. Journal of Personality and Social Psychology, 17 (2), 124-129.
· Jack, R. E.; Garrod, O.
G. B.; & Schyns, P. G. (2014). Dynamic
Facial Expressions of Emotion Transmit an Evolving Hierarchy of Signals over
Time. Current Biology, 24 (2), 187-192.